Viralizou!!!

Bolo alagado: Receita original do doce que viralizou é de venezuelana de Curitiba

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

Apelidado pelos brasileiros de bolo alagado ou bolo afogado, um vídeo da confecção de um bolo três leites viralizou nas redes sociais recentemente e inspirou várias tentativas de recriar a receita. A curiosidade dos internautas foi causada por conta do jeito que o bolo é preparado: em determinado momento, ele é totalmente coberto por uma calda, deixando o bolo super molhado.

Apesar de na internet existir uma infinidade de vídeos mostrando como fazer o bolo afogado, a verdade é que a origem dele nem é brasileira e foi uma imigrante que trouxe a receita para o país. A venezuelana e confeiteira Nelarys Lanz, mais conhecida como Nela, mora atualmente no Centro de Curitiba e é a responsável por começar, mesmo que sem querer, a febre do bolo três leites no Brasil.

LEIA TAMBÉM:

>> Vizinhos do Couto Pereira pedem sossego: barulheira madrugada adentro

>> Nova capela em Curitiba tem fragmento do corpo de Santa Rita de Cássia

Composto por massa de pão de ló, molhado com calda de leite condensado, creme de leite e leite vaporizado, e confeitado com merengue e canela, Nela explica que o bolo três leites ou tres leches, em espanhol, é muito comum e conhecido na Venezuela. Com o poder afetivo que as receitas originais carregam, a conexão entre o bolo e a história da confeiteira é muito mais profunda do que qualquer pessoa possa imaginar e por isso é impossível contar a história deles separadamente.

Confeiteira venezuelana Nelarys Lanz. Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

Há mais de 20 anos a venezuelana trabalha com confeitaria. Quando ela veio para o Brasil, em 2018, se instalou primeiramente em Manaus e decidiu que iria continuar seguindo na profissão, por mais difícil que fosse. Durante a pandemia da covid-19, Nela decidiu sair da região norte do país e se mudou para Curitiba, onde precisou recomeçar, novamente, a vida.

A relação entre Nela e o bolo começa na Venezuela, onde ela morava com os três filhos: Carlos, Amanda e Miguel. Quando ela começou na profissão, Amanda e Carlos, o filho mais velho e que tinha Síndrome de Down, ainda eram pequenos. Como ela precisava ficar em casa para cuidar deles, decidiu fazer o bolo três leites para vender pela vizinhança.

“Sempre fiz (o bolo três leites). Faço há mais de 24 anos para meus filhos. Quando meus filhos eram pequenos eu estava sem trabalhar porque não conseguia sair de casa pela situação de Carlos e pensava no que fazer. Já quando comecei, eu vendia muito. Meus vizinhos ficavam até bravos comigo porque eu não conseguia fazer mais para eles”, brinca.

A confeiteira foi fazendo sucesso, aumentando os pedidos e chegou a ser distribuidora de uma das principais confeitarias de Caracas, capital do país. Entretanto, em maio de 2014 a vida de Nela sofreu uma reviravolta bastante inesperada. Carlos, aos 24 anos, morreu por complicações cirúrgicas três dias após fazer o procedimento.

“Quando meu filho morreu eu fiquei louca. Meu irmão já morava em Manaus há dez anos e disse que eu tinha que sair de lá. Saí de lá para esquecer e foi a melhor ideia. Minha mente fez uma troca, pensei que meu filho estava viajando, de férias, e eu também estava de férias”. Com o falecimento do filho primogênito e com a situação política do país, a venezuelana começou a se preparar para ir embora, o que aconteceu quatro anos depois.

Em Manaus, ela não vendia o bolo três leites. A ideia de trazer a receita para o Brasil surgiu há cerca de um ano, já em Curitiba. A profissional não estava conseguindo fazer muitas vendas e durante uma madrugada, no meio de uma oração, ela revela que lembrou da receita que tinha um significado tão especial.

“Para mim a importância do bolo três leites, além de que é uma sobremesa do meu país, é sentimental. É essa conexão com eles, com meu filho (Carlos) que era o mais amoroso do mundo, continua sendo porque está aqui comigo. Ele me ensinou a ser quem eu sou, forte e com uma fé que ninguém perturba. E eu não percebi quando comecei a fazer o três leites e, isso foi até uma coisa que meu terapeuta disse, que é como a representação dos meus três filhos”, afirma.

Viralização do bolo três leites

A venezuelana sempre teve o costume de publicar vídeos dos trabalhos no Instagram, TikTok e Facebook. A viralização do bolo três leites aconteceu quando um confeiteiro brasileiro pegou um dos vídeos dela em que aparece o processo da massa ‘sugando’ a calda líquida. Em uma tentativa de recriar a receita, o homem chamou o bolo de alagado e assim o nome viralizou. Em pouco tempo, Nela conta que o vídeo alcançou mais de um milhão de visualizações e ela recebeu cerca de mil mensagens em apenas um dia.

@nelascakes Amor foco constância resiliência gratidão @jackson vamos fazer o curso 🙌🏻 #curitibacwb #venezolanosencuritiba🇧🇷 #festascuritiba #curitibacool #tresleches #curitibanosnotiktok ♬ sonido original – NelasCakes

A viralização do bolo nas rede sociais foi ótima, pois as encomendas aumentaram muito e o trabalho dela ficou mais conhecido. No entanto, surgiu um problema: a autoria do três leites.

“Eu não soube como digerir tudo o que estava acontecendo depois de tanta luta em tentar divulgar. Quando isso aconteceu, uma outra confeiteira pegou minha receita e gravou como se fosse dela, como se ela fosse a criadora do bolo. Eu fiquei tão brava porque era mentira, o bolo era meu, ela nem tinha a receita”. Indignada com a situação, Nela revela que procurou a profissional para dizer que aquilo era falta de profissionalismo.

“O três leites é uma forma de honrar meus três filhos”, conclui. Por isso, ela ficou magoada quando viu que as pessoas estavam inventando receitas para tentar viralizar. “Eu nunca quis viralizar, eu queria mostrar e vender meu produto. É muito difícil para um imigrante entrar aqui, ganhar confiança e conquistar a clientela”.

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

Tres leches brasileiro

O bolo tres leches original não é decorado e nem recheado. Na receita venezuelana, a massa de pão de ló recebe e absorve a calda líquida. Depois, o topo do bolo é confeitado com merengue e canela.

Para atender a clientela brasileira, Nela fez algumas modificações. No lugar do merengue ela usa chantilly e também faz decoração colorida, conforme os pedidos. Mais recentemente, a confeiteira também começou a rechear o bolo três leites, de acordo com a preferência dos fregueses.

Uma unidade do bolo três leites custa a partir de R$ 85. Nelarys recebe as encomendas pelas redes sociais ou pelo WhatsApp (41) 99174-2026.

Confeiteira dá curso on-line

Preocupada em manter a receita original conhecida, Nela decidiu fazer um curso on-line para ensinar como fazer o bolo três leites. “Quando vi que isso estava acontecendo pensei em abrir uma turma. Meu bolo não era aquele e eu queria que as pessoas soubessem a fazer com minha receita. Ninguém sabe a importância que ela tem para mim”, explica.

Desde a primeira turma, majoritariamente feminina, o curso teve uma adesão boa e já está no terceiro grupo. Nelarys diz que além de ensinar receitas, o curso tem o objetivo de trazer esperança para as mulheres.

“Nosso curso é sobre mudança de vida. É um curso humanizado onde todas as minhas alunas tem contato direto comigo. Estou ensinando a fazer desde a massa, a calda de três leites e o leite vaporizado, que aqui no Brasil não é comum. Além disso, fiz uma parceira com meu amigo que é terapeuta e ele deu de presente uma mentoria para as alunas. Eu quero dar ferramentas para que elas consigam se conectar com os empreendimentos”, diz.

Quem tiver interesse em participar, pode enviar uma mensagem para Nelarys pelo WhatsApp, pelo número: (41) 99174-2026. O curso dura cerca de um mês e a consultoria com a profissional fica disponível durante seis meses.

“Dona” do bolo três leites veio para o Brasil em 2018

Junto com a mãe e o ex-marido, Nelarys chegou em Manaus em 2018, trazendo apenas uma mala com os equipamentos de cozinha e 1.500 dólares. “Quando fui passar para o Brasil, meu carro não passou porque faltou um documento e tudo o que a gente tinha para começar a trabalhar ficou no carro. Então cheguei sem nada. Foi bem difícil sair do meu país naquele momento. Fecharam a fronteira. Nossa saída foi com muita dor”, relembra.

A família escolheu ir para Manaus porque o irmão da confeiteira, casado com uma brasileira, já morava no local há dez anos. Quando chegou, a venezuelana acreditava que conseguiria facilmente vender os bolos e doces. Mas não foi assim. Junto com o ex-marido, ela precisou começar a trabalhar nas ruas vendendo água, suco e alguns alimentos que aprendeu a fazer, como o pastel.

“Chegava em casa chorando, porque eu não vendia nada. Mas eu não ficava parada, pensava que se não tinha vendido hoje, amanhã iria vender. De manhã fazia os pastéis de novo e saía vender”.

Precisando se reinventar rapidamente, ela fez cursos para se adaptar aos ingredientes brasileiros que não conhecia, como chantilly e brigadeiro. “Meu sonho era ser reconhecida como confeiteira venezuelana no Brasil”.  

Um dia resolveu fazer bolo de pote, o que era algo inexistente na Venezuela. O ex-marido deu a ideia de vender em restaurantes da cidade. “Tinha um restaurante que era um dos mais antigos de Manaus e sempre que eu passava na frente, os três donos estavam fora, mas não falavam comigo porque pareciam antipáticos. Um dia, fiz 24 bolos para deixar nos restaurantes, explicando que era confeiteira. Fui nesse lugar e quando entreguei para um dos donos ele ficou meio assim, mas deixou eu deixar os bolos lá”, conta.

Já no dia seguinte, o ex-marido que estava vendendo água na rua, correu para casa contando para Nelarys que o dono do restaurante estava chamando ela. Quando foi até o local, com medo do que seria, descobriu que todos os bolos tinham sido vendidos. Ele pediu para ela fazer novos e prometeu que se tudo fosse vendido, ela se tornaria fornecedora dele. E foi assim que após cerca de quatro meses de luta para pagar aluguel e outras despesas, a família começou a ficar mais aliviada.

A clientela de Nelarys foi aumentando, assim como o número de vendas. A empreendedora chegou a participar de entrevistas em um programa de rádio e também fez cursos para aprender como administrar o próprio negócio. Mas a chegada da pandemia mudou todo o cenário na vida da imigrante.

“Morreram familiares, amigos, vizinhos meus. Fiquei parada outra vez. Depois que estava lá no topo caí no chão de novo. Em dezembro toda a minha família ficou doente. Morreu a mãe da minha cunhada e minha mãe não morreu porque Deus não permitiu, mas foi uma coisa tão terrível que eu falei que tinha que sair de Manaus. Pensava que todo mundo estava morrendo e ninguém fazia nada. O governo não estava nem aí. Vivemos todo o problema com oxigênio, meu irmão ficou doze horas esperando oxigênio para minha mãe”. Pesquisando cidades no Brasil, decidiu se mudar para Curitiba.

“Amei Curitiba assim que cheguei. Tinha um outro amigo que já morava em Boa Vista e me falou que Curitiba era uma cidade linda, que não fazia calor e que tinha muito empreendedorismo”.

Superando as dificuldades que encontrou para recomeçar na capital paranaense, atualmente a situação de Nelarys já progrediu e ela está com várias encomendas, a maioria do famoso bolo três leites. A mãe continua vivendo em Manaus com o irmão, Amanda mora na Argentina e Miguel, o filho mais novo, está na Venezuela.

Você já viu essas?

Denúncia de crime ambiental para derrubada de centenas de árvores em Curitiba
Denuncie!

Denúncia de crime ambiental para derrubada de centenas de árvores em Curitiba

Bar raiz em Curitiba “captura” clientes por horas; Comida boa, cerveja gelada e proteção do Papa
Clássico!!

Bar raiz em Curitiba “captura” clientes por horas; Comida boa, cerveja gelada e proteção do Papa

“Uber” para caminhoneiros, empresa de Curitiba fatura milhões
Inteligência

“Uber” para caminhoneiros, empresa de Curitiba fatura milhões

Whatsapp da Tribuna do Paraná
RECEBA NOTÍCIAS NO SEU WHATSAPP!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.