Ex-governador

Sem foro privilegiado, Richa volta a ser investigado pela Justiça no Paraná

Foto: Pedro Serápio
Foto: Pedro Serápio/Arquivo/Gazeta do Povo

Assim que assinou seu termo de renúncia, no dia 6 de abril, Beto Richa (PSDB) deixava de ser governador do Paraná, com a intenção de disputar uma vaga no Senado. Mas não foi só. Na medida em que abria mão do Palácio Iguaçu, o tucano perdia também o foro por prerrogativa de função – o chamado “foro privilegiado”.  O efeito foi imediato. Investigações e processos que permaneciam sob a batuta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – instância que tem competência para julgar e processar governadores – voltaram a tramitar no Paraná.

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Hoje, quatro inquéritos e uma ação penal pesam contra o ex-governador – além de uma investigação que está trancada por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Richa retardou até o último minuto a decisão de se retirar o cargo. Apesar de seu nome ter aparecido em investigações superlativas, como a Lava Jato e a Quadro Negro, o então governador sempre minimizou o impacto da eventual perda de foro e o teor das denúncias.

A última declaração pública sobre o tema ocorreu justamente na cerimônia em que passou o governo à então vice, Cida Borghetti (PP). “Estou absolutamente tranquilo. Tudo [está] devidamente justificado e as defesas apresentadas, de algumas denúncias vazias que houve”, disse.

Nos bastidores, no entanto, pessoas próximas ao agora ex-governador revelam que o foro privilegiado teve peso “bastante robusto” na decisão final.

Um deputado da base do governo disse que Richa assumiu um “risco calculado”, de acordo com um plano claro: ganhar uma das cadeiras no Senado e, com isso, retomar o foro pelos próximos oito anos, fazendo com que os processos retornem aos tribunais superiores. Neste cenário, o ex-governador ficaria “desprotegido” apenas até a posse, em 1.º de janeiro de 2019.

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“Foi um risco calculado. Ele [Richa] ponderou que tem praticamente garantida uma vaga [ao Senado]. Esses oito meses que ele fica desprotegido não vão ser suficientes para as coisas andarem”, avaliou o parlamentar, sob condição de não ter o nome revelado. “Se você parar pra pensar, é um ‘golaço’ dele”, completou.

O cientista político Luiz Domingos Costa analisa que, em relação a esses objetivos específicos, a estratégia de Richa faz sentido.

“Ele está jogando oito meses [sem foro] contra oito anos”, resumiu. O especialista destaca que, como há duas cadeiras em disputa, os candidatos precisarão de um porcentual menor de votos para serem eleitos. Diante disso, as alianças devem ter muito mais peso do que o eventual desgaste pelo envolvimento em escândalos.

“Mesmo depois da Lava Jato, eu acredito que o envolvimento em denúncias não vai fazer muito efeito [nas eleições], no caso do Senado. Se ele fortaleceu a relação com lideranças regionais e prefeitos, por exemplo, isso é muito mais significativo”, disse.

“Se inaugura uma escola e o prefeito ou o deputado da região fala que foi o Beto Richa que deu, os pais aceitam votar nele. Isso faz parte do arranjo eleitoral clientelista, em que os pobres precisam desses recursos e, então, votam”, exemplificou.

Moro e Quadro Negro

Enquanto isso, Richa está nas mãos do juiz federal Sergio Moro – ao menos temporariamente em uma das investigações. O inquérito da Lava Jato embasado em delação de ex-diretores da Odebrecht e que mencionam o ex-governador do Paraná foram remetidos à 13.ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Federal.

As denúncias apontam que dinheiro ilegal teria abastecido as três últimas campanhas de Beto: 2008, 2010 e 2014. No caso mais recente, o tucano teria recebido R$ 2,5 milhões, via caixa 2 – conforme depoimento do ex-presidente de Infraestrutura da Odebrecht Benedicto Junior.

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Outra investigação que se encontra em estágio bastante avançado corre na esfera estadual. Trata-se da Operação Quadro Negro, que apontou até agora o desvio de mais de R$ 20 milhões de recursos que deveriam ter sido empregados na construção ou reforma de escolas estaduais.

No aspecto criminal, por causa da prerrogativa de foro, as apurações do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) se centravam em outros agentes públicos, empresários e funcionários de construtoras.

Fora do Palácio Iguaçu, a tendência é de que Richa entre definitivamente no radar da Quadro Negro. O ex-governador havia sido mencionado em delação de Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor Construtora, homologada no ano passado.

O empresário detalhou que dinheiro desviado das escolas foi direcionado à campanha de reeleição do tucano, em 2014. O delator ainda foi além: implicou boa parte do núcleo político de Richa, inclusive homens de confiança, como o secretário Ezequias Moreira.

Entre os mencionados na colaboração premiada está o ex-diretor da Secretaria de Estado da Educação, Maurício Fanini. Preso por lavagem de dinheiro desde setembro de 2017, ele é apontado como amigo próximo do ex-governador. No inquérito, há fotos dos dois com as respectivas esposas, em viagem ao exterior.

Tido como um dos operadores da Quadro Negro que recebia propina em nome do ex-governador, Fanini está em vias de se tornar um delator. Ele já prestou declarações ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Gaeco, mas os termos da colaboração ainda estão em negociação.

Respingos na campanha

Na única pesquisa* realizada até agora – divulgada em dezembro do ano passado – Richa aparecia em segundo lugar nas intenções de voto, com 20,2% – no cenário sem o procurador do MPF Deltan Dallagnol.

Na avaliação do cientista político Luiz Domingos Costa, as denúncias contra o ex-governador até podem ser usadas politicamente durante a campanha, mas apenas de forma superficial e sem força para definir a disputa.

“O tempo de campanha e os recursos são curtos. Se o candidato for usar seu tempo de tevê para falar das denúncias, ele deixa de falar de si, de se apresentar”, disse.

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Líder na pesquisa, o senador Roberto Requião (PMDB) nega – com uma ponta de ironia – que deva mencionar os escândalos envolvendo Richa ao longo da campanha. Ainda assim, não poupa críticas ao tucano.

“Isso [as denúncias] é tema para ser mencionado em inquérito policial, não em debate político. Eu acho que o comportamento dele foi reprovável, mas isso fica com o Ministério Público e com o Judiciário”, pontuou o candidato.

Vai e volta

Caso Richa seja eleito ao Senado, os processos que o encurralam devem voltar a tramitar em instâncias superiores. A transferência não se dá de forma automática, mas após despacho de juiz de primeira instância.

“A tendência é de que todos esses processos se arrastem de novo aos tribunais superiores”, sintetizou o advogado Fábio Martins di Jorge, da Peixoto & Cury Advogados, especialista em direito público e constitucional.

O problema é que este vaivém consome tempo de tramitação e pode contribuir para que os processos caiam em prescrição. Um levantamento realizado no ano passado pela FGV Rio mostrou que, de 404 ações penais que tramitavam no STF e que foram concluídas entre 2011 e 2016, pouco mais de 68% (276) haviam prescrito.

O único processo que se tornou ação penal contra Richa já tramita há quase dez anos. A denúncia foi oferecida pelo MPF em 2009, quando o tucano ainda era prefeito de Curitiba. Richa é réu por ter, segundo as acusações, aplicado irregularmente R$ 100 mil do Fundo Nacional de Saúde, que deveriam ter sido destinados à reforma de três unidades de saúde da capital.

Por tudo isso, mesmo quem fez oposição a Richa tem pouca esperança de que ele possa ser julgado. “O histórico do Judiciário não nos dá expectativas de processos rápidos e objetivos.

Ao contrário, temos inúmeros casos, como Cassio Taniguchi, Jaime Lerner, Ingo Hubert, Ezequias Moreira, que prescreveram mesmo sem foro. Com o conhecimento construído ao longo de seus mandatos, creio que será zero a possibilidade de vir a ser impedido”, avaliou o deputado estadual Tadeu Veneri (PT).

Requião, por sua vez, arrisca que Richa será “o novo [Sérgio] Cabral” – o ex-governador do Rio de Janeiro, que já foi condenado em cinco ações penais e que está preso desde novembro de 2016. Na avaliação do peemedebista, as provas são “incontestáveis” e, por isso, o tucano “inevitavelmente, vai ser condenado”.

“Pode ser agora, pode ser depois da eleição, mas tudo indica que tem um apartamento reservado para ele [Richa] em Pinhais”, disse Requião, em alusão ao Complexo Médico-Penal, presídio localizado na cidade da Região Metropolitana de Curitiba, para onde são levados alguns dos políticos condenados.

As respostas

A Gazeta do Povo tentou entrevistar Richa, mas o ex-governador não foi encontrado. Ele sempre negou envolvimento com os fatos denunciados. Na ocasião da delação dos executivos da Odebrecht, os responsáveis pelas campanhas eleitorais do tucano contestaram os delatores e afirmaram que as doações haviam sido feitas na forma da lei.

Em relação à Quadro Negro, o ex-governador disse que jamais recebeu dinheiro do esquema nem autorizou que o pedissem em seu nome. Richa ainda classificou o delator como um criminoso.

Na ocasião em que o STJ autorizou instauração de inquérito em decorrência da Operação Superagui, Richa considerou um “absurdo” e cobrou uma investigação profunda, o que comprovaria sua inocência.

Sobre as denúncias da Operação Publicano, o ex-governador sempre disse que o delator nunca comprovou as declarações e o chamou de “criminoso confesso”. Em relação à investigação do decreto ambiental, Richa afirmou que não foi ouvido na sindicância e que jamais foi encontrado indício de prova envolvendo seu nome.

*Fonte: Paraná Pesquisas. Metodologia: Foram entrevistados 1.520 eleitores, durante os dias 14 a 17 de dezembro de 2017. O grau de confiança da pesquisa é de 95% para uma margem estimada de erro de aproximadamente de 2,5%.

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