Profissão cheia de tabus

Prostitutas de Curitiba: histórias marcantes de mães e chefes de família

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

“Comecei por falta de dinheiro, tinha que pagar minhas contas, meu filho era pequeno”, conta Bianca* que trabalha como prostituta no Centro de Curitiba há mais de 20 anos. Aos 61 anos de idade, ela continua atuando na área e ainda mantém o segredo sobre a profissão que garantiu boa parte do estudo, alimentação e conforto do filho.

Com receio de uma reação negativa, Bianca revela que não pretende contar para o filho ou para qualquer familiar. “Meu filho nunca soube. Se eu contar pra ele, ele mora na minha casa, vai ter que ir embora. É daqui que ele se formou, que ele viajou. Meu filho sempre estudou em colégio particular, eu tinha que pagar colégio pra ele. Depois tinha que pagar a faculdade para ele. Tinha que pagar condomínio”.

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A história de Bianca na prostituição começou nas boates. Com uma carteirinha de bailarina que continha até nome social, emitida pela Delegacia de Ordem Social – já inexistente, ela trabalhava durante as noites e madrugadas curitibanas. Entretanto, não gostava porque havia a necessidade de consumir bebidas alcoólicas. “Eu tinha que beber e não queria beber, eu não conseguia, porque chegava ruim em casa. Meu filho era pequeno. E ele começou a perceber que eu tava bêbada quase sempre e eu não gostava disso”, relembra.

Nesse período, Bianca conheceu uma amiga que falou para ela ir para a rua, na região do Passeio Público, no Centro de Curitiba. Foi assim que ela viu a oportunidade de seguir como profissional do sexo, ganhando o dinheiro que precisava e sem ter a necessidade de consumir bebidas.

Como está na área há bastante tempo, a vida de Bianca também acompanhou as oscilações da prostituição em Curitiba, que mudou durante esses 20 anos. Ela relembra que quando começou na rua havia mais mulheres na região central da cidade e que a “disputa pelo território” era bem mais acirrada.  

“As meninas queriam me tirar para fora, achavam que eu era metida, queriam me jogar no rio, vinham com estilete pra cima de mim. Ai minha amiga disse que eu tinha que bater o pé pra ficar”, relata. “[Antigamente] a gente tinha pontos aqui. Cada ponto do Passeio [Público] tinha menina. Mas na época eu era bem bonitona, fazia um [programa] em cima do outro. Eu não parava, chegava do hotel e já voltava. Agora, as vezes fico o dia inteiro aqui, mas não estou nem aí. Hoje sou mais centrada, faço outras coisas. Meu filho não depende mais do meu dinheiro. Antigamente eu tinha que pagar colégio, faculdade, lanche, passagem, tudo pra ele. Eu não podia sair daqui com menos de R$ 300”, diz.

Bianca também já teve outros trabalhos, como recepcionista, por exemplo. Ela comenta que deixou a prostituição de lado durante um tempo, mas que acabou retornando para o trabalho.

“Dinheiro amaldiçoado”

“Esse dinheiro aqui é um dinheiro amaldiçoado. Dizem que é vida fácil, aqui não é nada fácil. A gente enfrenta cada rojão. E se a gente ganha R$ 200 hoje, a gente gasta R$ 200. Essa história de dinheiro que vem fácil, vai fácil é verdade. Se eu contar que tenho uma casa com dinheiro de programa, eu não tenho. A gente vai embora daqui e quando cai a ficha, quando eu chego na minha casa eu olho e penso ‘que coisa, nada daqui eu consegui daquele lugar nojento’. Eu chamo isso aqui de lugar nojento”, diz.

Vivendo essa rotina por muitos anos, ela sente uma certa inquietação quando fica em casa. “Um dia que a gente fique em casa, fica pensando ‘será que passou algum cliente meu? Será que perdi R$ 50? Será que perdi R$ 100?'”. Em contrapartida, sair do lar nem sempre é fácil. “Um dia acordei em casa meio bêbada, sentei no meio da sala e falei ‘não vou para aquele buraco’. Não suporto isso aqui mais, antes eu gostava, era divertido”.

Quem também está na região do Centro de Curitiba é a Tati*, profissional do sexo há cerca de 20 anos. Quando ainda era menor de idade, começou nas boates de Curitiba. Mas assim como Bianca, ela não gostava de consumir bebidas alcoólicas constantemente e, por isso, optou por trabalhar na rua.

Tati relembra que quando começou na prostituição a família estava em uma situação financeira difícil. Junto com a mãe e os irmãos, ela veio do interior do Paraná para a capital paranaense. As condições melhoraram depois que a mãe conseguiu vender uma chácara, mas Tati já estava trabalhando como prostituta.

A prostituição nunca foi uma atividade ininterrupta na vida de Tati. Em alguns momentos ela parou e explorou outras áreas, como garçonete, recepcionista e zeladora. “Se ver que apertou e não dá de um jeito, eu pulo pro outro”, comenta.

Ela tem três filhos: duas meninas e um menino, todos já adultos. Diferente de Bianca, a família de Tati sabe que ela é uma profissional do sexo. “Eles sempre foram contra porque não gostam né, mas eu acho que, como se diz, fui ovelha negra da família”, conta rindo. “Meus irmãos são bem de vida. Meu filho também é, já quis me tirar, mas eu não sou pra ficar dependendo de filho. Eu não tô caindo aos pedaços. Pra falar bem a verdade, eu gosto da minha vida”, completa.

Agora, com 44 anos, Tati está mais tranquila e não sente a necessidade de ir sempre para o Centro. Além disso, ela também começou a trabalhar com plataformas online, o que permite que ela fique mais tempo em casa. “Antigamente era sexta, sábado, domingo, eu sempre tava aqui. Aqui era um vício para mim, mas agora estou bem mais de boa, mais suave”, afirma.

“Eu gosto de trabalhar durante o dia. As vezes quando é 16 horas, 17 horas eu já vou embora. Uns tempos atrás eu virava, dia e noite trabalhando, mas hoje eu não tenho aquela necessidade de vir trabalhar igual antigamente. Já ganho o meu pão, não preciso ficar tão apavorada pra vir pra rua. Mas vez ou outra dá uma apertadinha e tem que dar os pulos”, acrescenta Tati.

Relação com os clientes

Bianca explica que os clientes são diversos. De uma forma geral, ela analisa que em todos esses anos nunca teve grandes problemas. O que já passou foi de receber dinheiro a menos do que o combinado e descobrir apenas mais tarde, ao conferir a quantia. Também revela que já correu vomitar no banheiro depois de um programa.

Bianca confia no sexto sentido. Ao desconfiar de alguma coisa ela recusa o cliente. Durante essa trajetória, ela se apaixonou por clientes. Também já se envolveu em relacionamentos sérios: “só que dai ele me trocou por uma mais jovem, fazer o que”, ri.

“Tem cliente que se apaixona pela gente e a gente se apaixona pelo cliente. Eu já chorei por amor e brigava com o cliente e ficava chorando. Ai tinha que cobrar e eu não queria cobrar. Ia lá pro hotel e tinha que ganhar o dinheiro e chorava”, relembra.

Sobre a quantia que ganha, Bianca conta que é relativo e acrescenta que em boates, geralmente, o valor do programa é mais caro do que na rua. Conforme o que ela recorda, a maior quantia que ganhou em um único dia na rua foi R$ 4 mil.

Tati também revela que nunca enfrentou grandes problemas com clientes. Pelo contrário, a relação sempre foi muito tranquila. Ela lembra de apenas uma passagem, em que um homem roubou a bolsa dela onde estavam os documentos e dinheiro. “Mas depois desse dia eu nunca mais ando com dinheiro, com cartão, a gente vai aprendendo. Mas isso era quando eu era mais nova”.

Ao contrário de Bianca, Tati afirma que nunca teve um relacionamento sério com cliente. “Não dá pra se apaixonar. Se ver que tá se apegando já tem que sair fora, não dá pra ficar. É difícil, já aconteceu um monte de coisa na vida, a gente fica com o pé mais atrás”, explica.

Pensando no maior valor que já recebeu, Tati acha que foi uma vez que ganhou R$ 2 mil com apenas um homem. “Eu não posso falar, já ganhei muito dinheiro nessa rua. Eu quando cheguei aqui era novinha, os homens ficavam esperando até”, brinca.

Do Centro de Curitiba para a tela do celular

“Tati” em sua jornada pelo “dinheiro amaldiçoado”. Foto: Atila Alberti

Já faz uns dois anos desde que Tati começou a explorar redes sociais, como Kwai, para trabalhar como profissional do sexo. Usando a tecnologia como aliada, as vezes Tati faz chamadas de vídeo com clientes e, as vezes, marca programas pela internet. Nesse caso, os clientes pagam o programa e o deslocamento.

Com medo de sofrer algum golpe, ela garante que sempre mantém um contato até sentir confiança em marcar um local de encontro. “Tem uma energia de fora que a gente sente [se é bom ou não]. Eu sempre falo pra Deus ir na minha frente porque você conhece a pessoa pela internet, mas não sabe quem vai encontrar”.

Além de se sentir mais segura, outra vantagem que a internet está apresentado para Tati é o valor que recebe. Enquanto na rua cobra a média de R$ 50, nas redes sociais consegue cobrar entre R$ 150 e R$ 200, dependendo da situação.

As dificuldades da prostituição

Ansiedade e depressão são comuns no trabalho de prostituição. Bianca confessa que conhece mulheres que tomam remédios para tratar a saúde mental.

Já quanto ao preconceito, ela afirma que onde trabalham é pouco recorrente e quando surge qualquer comentário ela é defendida pelas comerciantes das bancas próximas, com quem adquiriu uma relação de confiança.

“Aqui dentro não tem preconceito porque tem várias mulheres que fazem. Mas igual no prédio onde eu moro, Deus o livre se souberem. As moças das bancas defendem muito a gente. Um dia veio uma senhora passear com o netinho e foi comprar refrigerante lá. Chegou lá e disse ‘nossa, sumiram as prostitutas daqui, as escandalosas’. Ela [moça da banca] falou ‘não sumiram, não. Tão ali. Você tá vendo ela fazer escândalo? Não. Então. Quem vem procurar elas aqui é teu marido, não são elas que vão na tua casa buscar o teu marido’. E é verdade, eu não ligo pra cliente meu dizendo pra vir, eles que me ligam”, confirma Bianca.

Tati percebe da mesma forma. No entanto, ela lembra de uma situação em que a moradora de um prédio jogava água nas mulheres que ficavam na frente do edifício. “Mas a gente tem que respeitar também. Tinha mulher que ficava abrindo as pernas, mas eu já chegava junto e falava que era um lugar de família, que tinha que ter respeito”, afirma.

Questionada se já se arrependeu durante esses mais de 20 anos, Bianca diz que sim. “Uma coisa doída. Por que todo mundo é casado e eu criei filho sozinha? Formei filho sozinha? Eu fico pensando, será que não tem um homem que vai falar, Bianca, vamos casar?”.

Já Tati afirma que não tem arrependimentos.

Para o futuro, Bianca revela que não possui nenhum sonho e que pretende conseguir a aposentadoria. Tati pensa em começar o próprio negócio.

ONG ajuda profissionais do sexo da Grande Curitiba

Com atuação em Curitiba e cidades da região metropolitana, o Grupo Liberdade Curitiba é uma Organização não Governamental (ONG) que tem foco nos direitos da mulher prostituída. Fundada em 1994 e com sede no Centro de Curitiba, a ONG realiza diversas atividades, como palestras sobre saúde, prevenção de doenças, além dos direitos básicos, voltadas para esse público.

Bianca participa do Grupo Liberdade e explica que além das palestras acontecem jantares e cafés para as profissionais do sexo e são distribuídos preservativos. Além disso, as mulheres recebem atendimento jurídico. De acordo com Bianca, a Prefeitura de Curitiba também participa de algumas ações.

Procurada pela reportagem da Tribuna do Paraná, a prefeitura informou que a Assessoria de Direitos Humanos e Políticas para as Mulheres (ADH) faz ações pontuais com esse público, como orientação sobre direitos. A última ação aconteceu em dezembro de 2023, quando a prefeitura realizou uma sessão de cinema seguida de debate, voltada exclusivamente para essas mulheres. 

Segundo a administração municipal, as profissionais do sexo também participaram de Consulta Pública para elaboração do Plano Municipal de Políticas para Mulheres.

Foto: Atila Alberti

Prostituição é crime no Brasil?

No Brasil, a prostituição não é crime. Conforme o artigo 230 do Código Penal, o que é considerado crime é quando uma pessoa tenta tirar proveito da prostituição alheia. Ou seja, quando a profissional do sexo possui um agente ou rufião que exige ser sustentado ou receber parte dos lucros.

*Para manter a identidade protegida, os nomes das entrevistas foram alterados

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