Restauro polêmico

“Não se pode dizer que está errado”, defende arquiteto de obra do Paiol

antes e depois paiol
Antes e depois da obra de restauro do Teatro Paiol. Foto: Maicon J. Gomes / Átila Alberti.

Com toda a polêmica envolvida com a obra de restauro do Teatro Paiol, em Curitiba, o arquiteto que executou o projeto de restauro da edificação conversou com a Tribuna do Paraná e desabafou: “Eu entendo que as pessoas podem não ter gostado de como ficou, mas dizer que está errado ou que não se teve critério técnico, é julgar sem entender como foi feito o projeto”, defendeu Leandro Nicoletti Gilioli.

Gilioli tem formação em arquitetura e urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e também pela Università delgi Studi di Ferrara, na Itália. É pós-graduado em Restauro de Monumentos Históricos pela PUC-PR, mestre em engenharia civil e professor de graduação e pós-graduação de duas universidades em Curitiba. Ao ser perguntado se a obra realizada no Paiol era mesmo de fato um restauro, Gilioli explicou: “a partir do momento que você intervém num patrimônio e leva em consideração o valor agregado, à priori é restauro”.

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A obra tem sido criticada por leigos e especialistas, que julgam principalmente a descaracterização do edifício – o reboco feito em cima da pátina do tempo. Categórico de que o projeto foi de fato um restauro, o arquiteto argumentou que é preciso levar em consideração o tipo de abordagem a ser feita – que pode ser conservadora ou mais intervencionista. “A partir do momento em que o reboco não se segura mais, foi necessário o uso da argamassa para manter o edifício em pé por mais tempo”, esclareceu.

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Todo restaurador, que se propõe a conservar monumentos históricos, leva em consideração os fundamentos da Carta de Veneza de 1964. O documento deixa claro que a restauração “tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original”.

Gilioli explica que o edifício do Teatro Paiol passou por uma intervenção conservativa de reciclagem na década de 1970 – projeto assinado por Abrão Assad. Desde 1971, o prédio foi sendo conservado com a colocação gradual de argamassa. “Durante a obra, foi até discutido se mantínhamos o reboco ou se fazíamos um novo. Mas não tinha mais solução, era muito reboco. Foi perdida a pátina do tempo, mas a sobrevivência do edifício foi considerada acima de tudo”, explica.

O projeto, que foi aprovado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, apresentou um estudo de patologias da estrutura e soluções para os problemas estruturais. O arquiteto defende que o projeto está correto tecnicamente. “O terreno se mexeu e causaram algumas rachaduras bem graves, que prejudicaram ainda mais o reboco. Foi feito um grampeamento disso, mas as marcas ficaram grandes. Com rachaduras gigantescas de cima abaixo, como esse grampeamento iria ficar a mostra?”, questionou.

Aparência segue edificação “original”

Com o estudo de patologias e considerando o reboco degradado, Gilioli explica que o projeto seguiu uma linha menos conservadora, para manter o edifício firme por mais tempo. “As pessoas podem até não concordar com a linha de restauro, mas não se pode dizer que está errado. Esse é o grande problema”.

O novo reboco e a atual cor ocre impacta os olhos de quem passa em frente do Paiol agora, depois da obra de restauro. O arquiteto explica que a estética pós-restauro se assemelha à originalidade do edifício, construído em 1874. “Tudo foi estudado, tem critério, está dentro da concepção. A tinta usada foi a base de cal, com pigmento igual ao que era da época – coisa que é extremamente difícil se der feito. A cor vai escurecer e sofrer a ação do tempo novamente”.

A pátina do tempo poderia ter sido mantida?

O reboco, que aos poucos se descolava com a ação do tempo, poderia ter sido mantido? O arquiteto explica que existia a possibilidade de manter a antiga argamassa, mas com ressalvas. Uma fixação dessa antiga argamassa poderia impermeabilizar a parede, que precisa respirar.

“A água sobe a parede e evapora, é um processo das estruturas de alvenaria. Se impermeabiliza, a parede estufa. Tanto o cimento quanto a cola poderiam impermeabilizar. Poderia ser feito, mas a que custo? Foi estudado, mas foi decidido fazer um novo reboco. Esta ação de restauro feita agora vai durar mais tempo”, esclarece.

Especialista fica “consternada” com restauro do Paiol

A arquiteta doutoranda em Gestão Urbana e especialista em patrimônio histórico Iaskara Florenzano, numa análise de fachada da obra, se diz “consternada”. “Como foi feito aquilo: Ninguém sabe. É preciso saber o nível de intervenção que foi feito, para saber o quanto se consegue reverter. Simplesmente foi coberto com uma massa, uma tinta. Cobriu a beleza do edifício”.

Florenzano explica que o restauro é a última ação a ser feita num bem edificado. “Tem várias etapas, vários graus de intervenção, manutenção. É intervir naquele é o mais precioso, que é a materialidade. [O edifício] testemunhou gerações e isto está impregnado nas paredes. O que me assusta é um projeto desses, que passa por tantos critérios, ter sido aprovado”, desabafa.

Quando se trata do impacto social de uma possível destruição de patrimônio, a arquiteta Iaskara Florenzano explica que é preciso estar atento a dois pontos. O primeiro deles é a questão da matéria original do edifício. “É preciso ver o quanto disso está comprometido e o que pode ser revertido. Toda reversão vai carregar um pedaço do material embora. Não temos esse direito de destruir o patrimônio. O edifício carrega uma memória primitiva da cidade, é aquela vibração cromática que já estava impregnada na nossa paisagem, memória e é testemunha de gerações”.

O segundo ponto, na análise da arquiteta, se trata da intervenção autorizada por um Conselho de Patrimônio, IPPUC e Prefeitura. “A obra teve anuência dos órgãos que definem, implementam e fiscalizam a política de patrimônio da cidade. Qual a mensagem que estamos dando? Agora se pode desmantelar a história da nossa cidade?”, questiona a especialista.

Fundação Cultural de Curitiba se manifesta sobre a reforma

Confira a nota da Prefeitura de Curitiba na íntegra:

A obra de recuperação do Teatro do Paiol, urgente pela ruína do telhado e por conta de outros problemas na estrutura da construção de 1906, não está concluída.

A reforma foi precedida de estudos técnicos e a cor amarela trabalhada conforme prospecção realizada por arquitetos especializados em patrimônio histórico. O projeto elaborado pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC) foi aprovado pela Comissão do Patrimônio Histórico e Cultural (CAPC) e submetido ao programa Cultura: Preservação, Promoção e Acesso do Governo Federal.

A pintura não foi realizada com tinta. A técnica usada é a pintura a base de cal, para a proteção da alvenaria e que com a ação do tempo gradualmente devolverá o caráter rústico da fachada da edificação (efeito “desgaste” de cor e reboco). Vale lembrar que o tom da tinta também varia conforme a umidade da parede.

A etapa da pintura ainda não foi concluída e o arquiteto Abrão Assad, responsável pelo projeto de transformação do espaço em teatro, em 1972, está colaborando com a comissão responsável para se chegar ao efeito de cor de aspecto antigo que costuma caracterizar o imóvel.

As obras no Teatro do Paiol acontecem para aumentar a durabilidade e melhorar as condições de uso do imóvel que estava com processo de degradação das paredes, graves infiltrações, com risco inclusive de colapso de toda a estrutura.

A obra da Prefeitura de Curitiba garante o uso do Teatro do Paiol, com segurança, por pelo menos mais 50 anos.