Criado em 1971, evento reúne 1.300 expositores durante as manhãs de domingo sobre o petit pavé da Rua Dr. Claudino dos Santos

Por Patrícia SankariContent Store

Há 50 anos, a Feira do Largo da Ordem ocupa o petit pavé da Rua Dr. Claudino dos Santos. Todo sábado à noite, o trânsito na região é redirecionado para que a prefeitura possa montar os boxes que receberão os 1.300 feirantes e suas mercadorias nas primeiras horas da manhã de domingo. 

Foi em 1971 que a Feira do Largo foi oficialmente estabelecida. Desde o século 18, o Largo da Ordem é uma área de intenso comércio e de encontros da cultura popular. Com a inserção da Feira na programação da cidade, a movimentação da região se intensificou e o lugar virou parada obrigatória para os turistas.

O livro ‘Histórias e Retratos da Feira do Largo da Ordem’ mostra que o crescimento foi realmente expressivo: em menos de duas décadas, a feira chegou à marca de 500 expositores. O evento se tornou parte indissociável da cidade e foi reconhecido como patrimônio imaterial de Curitiba pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural em 2018. Atualmente, passam de 20 mil a 30 mil pessoas todos os domingos.

Vida e arte na Feirinha

Cada barraca guarda a história de um artesão que faz da Feira do Largo o evento imperdível dominical. Alguns estão desde o início, outros chegaram na última década, como uma saída para o empreendedorismo ou transformando um hobby em negócio.

“Quando eu comecei, eram 20 barracas. Eu fazia artesanato de metal, era hippie”, conta Valdir Felice, aos risos. “Até hoje estou na feira. Agora sou apicultor e vendo mel”, detalha o expositor, presente na feirinha desde o primeiro ano. “Toda a minha vida está na feira. Eu criei e formei meus três filhos nela, vi a Feira do Largo crescer”, relembra Valdir.

Feira do Largo da Ordem é realizada todo domingo, das 7h às 13h. Foto: Leticia Akemi/Arquivo Gazeta do Povo

“A Feirinha do Largo da Ordem é um dos espaços mais legais e democráticos de Curitiba, onde pessoas de todo tipo convivem. Também é o lugar de onde vem a maior parte da fonte de renda de muitos artesãos e merece e precisa ter mais atenção do poder público em vários aspectos”, explica Aluísio de Paula, fazedor de poemas, artesão e empreendedor. 

Aluísio começou na Feirinha do Largo como expositor temporário em 1999, época em que era preciso solicitar uma autorização nova toda semana. Ele começou vendendo camisetas com poesias e ilustrações próprias, também impressas nos “poímãs”, criação de Aluísio em ímãs de geladeira. O período como temporário durou pouco. 

Em 2007, Aluísio conseguiu uma licença perene, criou a empresa Econtexto e passou a vender ecobags e camisetas de malha PET e de algodão orgânico, que estampam artistas locais, como Poty Lazzarotto e Marcos Van Ray. “Cada domingo na Feirinha é um filme, uma epopeia! Passam pessoas do mundo todo. Artistas famosos, influencers, políticos, gente humilde, milionários, crianças, bichos. Tem de tudo na Feirinha”, diverte-se Aluísio.

A Maricota Patchwork, de Mari Barreira, é mais recente na feira, mas reconhece a importância do espaço para seu negócio e sua vida pessoal. Há cinco anos, ela começava uma nova história em sua vida ao encontrar na atividade de costura de retalhos uma terapia ocupacional. “Eu tinha síndrome do pânico e o médico me orientou a fazer algo, então comecei com o artesanato. Nisso, já entrei em feiras de bairro e há cinco anos estou no Largo”, relembra. “Essa experiência é muito boa e foi o que salvou minha vida. Às vezes, as pessoas não dão muito valor para a feira, mas ela carrega um significado muito especial”, afirma Mari. 

Mari Barreira, da Maricota Patchwork. Foto: Patrícia Sankari/Gazeta do Povo

Para a artesã, Kelli Eiler, da Arte Bela, a feira é o seu sustento e o que trouxe qualidade de vida. Exausta da rotina como bancária em uma grande instituição, ela trocou a carreira de 16 anos para trabalhar com cartonagem, uma técnica de artesanato que ela descobriu “sem querer”. “Eu gostava de fazer artesanato, mas não conhecia o mundo da cartonagem. Quando minha filha ficou grávida, ela me pediu para fazer algumas coisas. Como eu sou exagerada, fiz muito mais do que precisava e comecei a vender”, contou. Hoje, o artesanato é a única fonte de renda em sua casa. “Muita gente acha que a feira é um trabalho a mais. Mas para muita gente, isso aqui é o sustento da família”, observa.

Kelli e seu marido Paulo, da Arte Bela. Foto: Patrícia Sankari/Gazeta do Povo

Para Sandra Helena Lisboa Nogueira e João Carlos Nogueira, da Tocos e Cavacos, a venda de souvenires de madeira na Feira do Largo também é de onde vem toda a renda da casa. Há 25 anos na feira, o casal vende produtos com desenhos em pirogravura, técnica que marca a superfície da madeira com o calor. “É o nosso ganha-pão. Criamos nossos filhos assim. Eles já são formados, já tem a vida deles, e nós continuamos aqui”, relembra Sandra. 

Sandra e João, da Tocos e Cavacos. Foto: Patrícia Sankari/Gazeta do Povo

Para o casal, a feira proporciona experiências únicas, principalmente no contato com o público. “Uma história que só vivemos por estar na feira foi em 1990. Eu atendi um monge que estava na cidade para a construção de um templo. Era um dia de chuva, eu vi ele olhando todos os produtos, mas ninguém dava bola para ele. Quando ele chegou na nossa barraca, eu o atendi e expliquei tudo sobre os nossos produtos. Ele agradeceu e falou ‘depois eu volto’. Levou uma peça de 3 reais. Um tempo depois, voltou com 7 pessoas. No dia seguinte, voltou com 40. E eles compraram muita coisa nossa!”, relembra João. 

Marcela e sua mãe, Viviane Regina. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Marcela Zanoni cresceu ajudando a família na Sabor Cana, barraca que vende caldo-de-cana, água de coco e melado desde os anos 1980. Seus pais conseguiram se aposentar, mas a família permanece trabalhando junta. Uma tia e prima de Marcela também têm seu próprio negócio: a Kdicana, que é tocada pela terceira geração no mesmo ponto. “O filho da minha prima vai todo domingo junto, ele tem 1 ano. Já é a quarta geração da família no Largo”, celebra.