Pena que elas ainda não se ligaram (e talvez isso nunca mude)

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De todas as tragicomédias da atualidade, poucas coisas são mais deliciosas do que ver cidadãos do sexo masculino, revestidos da mais pura intelectualidade de meia-pataca, lá do alto de seus pedestais de plástico de loja de 1,99 e coletinho puffer, utilizarem da mais enlatada “linguagem não violenta” para apontarem as orientações de que nós, mulheres, precisamos pra viver.

Um tempo atrás, em algum corte de podcast que pipocou no meu Instagram, um representante da espécie vomitava um monólogo anencefálico desse tipo. “Não se pode cobrar sororidade”, solta. 

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Daí isso aí meio que alugou um triplex na minha cabeça e, quando me dei conta, eu tava dormindo com essa frase, treinando com essa frase e tomando banho com ela. Descartando a irrelevante opinião da mente-brilhante-esquerdo-machista-bukowskiana-faria-limer que a elaborou e que certamente se baseou na mais aprofundada doutrina do Tik Tok para entender tudo sobre sororidade, me vi lamentando algumas situações nas quais, de fato, ela faltou.

E aí, uma leve raivinha me engatilhou, quando lembrei de mulheres que, propositalmente, quiseram me sacanear. Outras que se aproveitaram do meu eterno oversharing, que é quando você acaba contando coisa demais da sua vida, pra usarem tudo contra mim depois, pelas minhas costas.

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Um dos conceitos clássicos plantados “não faço ideia por quem” na cultura social feminina, crava que mulheres sempre vão competir entre si. Outro, diz que as próprias mulheres são machistas, sem perceber. Tudo isso temperado por um milênio de domesticação social, desde a caça às bruxas até os filmes americanos pastelão de competição entre cheerleaders dos anos 90.

Não tinha mesmo como dar certo. Pelo menos não tão rápido.

E, de repente, em plenos trinta e meios anos de vida, eu me vejo como personagem de um desses filmes de competição de cocotinhas, refém de uma disputa que eu não comecei e da qual eu não quis participar. A diferença é que não estou num ginásio de basquete da high school, mas em plena vida adulta do Brasil de 2023.

Às vezes, até dá vontade de comprar a briga. De chamar pra realidade. De agarrar a fulana ou a ciclana pelos cabelos e berrar a plenos pulmões que esse não é o caminho. Mas aí a minha terapeuta me lembra que cada uma tem seu tempo, suas escolhas e que só pode oferecer o que tem em mãos. Que cada uma é livre pra decidir em que acreditar, mesmo que seja no discursinho mau-hálito de uma mente-brilhante-esquerdo-machista-bukowskiana-faria-limer.

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E mais, talvez isso nunca mude e fulana e ciclana sigam soltando seus risinhos apatetados diante daquilo que “não entendem nem conseguem decifrar”, como diz o Baia (se você nunca ouviu, recomendo). 

Lá no fundo, entretanto, insisto em acreditar que mesmo negando até a morte, fulana e ciclana têm pra contar, uma ou duas histórias nas quais quem as acolheu, consolou, abraçou ou ouviu, foram mulheres. Momentos de dor, tristeza ou frustração, nos quais quem primeiro lhes estendeu a mão, atendeu, abriu a porta, prestou apoio ou indicou vaga de emprego, foram mulheres. Situações nas quais puderam ser vulneráveis – seja no meio de um porre ou na fossa de um término – onde o deságue das pitangas acontece, justamente, nos ombros de mulheres. 

Talvez elas nem saibam. Talvez não reconheçam. Mas, mesmo que não cobrem ou não ofereçam, a fulana e a ciclana com toda a certeza (digo sem hesitar) já foram alvo compulsório da desgraçada da sororidade. Talvez elas continuem competindo, causando intriguinhas e sacaneando outras mulheres.

Mesmo assim, quando precisam, elas sabem exatamente pra onde correr: mãos, braços e ouvidos femininos disponíveis. De fato, sororidade não se cobra mesmo. É natural, é de graça e fortalece.

Pena que elas ainda não se ligaram. E talvez isso nunca mude.

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