Realidade das invasões

A Ouvidoria Agrária Nacional, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, contabilizou entre os anos de 2000 e 2007 um total de 1.827 invasões, embora o número mais próximo da realidade (4.004) tenha sido o apurado pela equipe chefiada pelo geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), um dos principais estudiosos da questão agrária no País. A informação consta de reportagem publicada na edição de ontem do jornal Folha de S. Paulo, com base no recém-concluído trabalho de cruzamento das áreas invadidas constantes das relações fornecidas pela Ouvidoria, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e dados coletados por mais três universidades.

A relação pormenorizada de invasões levadas a efeito nos últimos sete anos, resultante da pesquisa realizada pelo professor da Unesp, está em conflito aberto tanto com os números registrados pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, quanto com os da Comissão Pastoral da Terra, cujos totais ficaram muito aquém da realidade. Por exemplo, a instituição oficial da Igreja Católica para o setor registrou 2.837 invasões, cerca de 30% a menos que a constatação final da equipe de alunos da Unesp. Vale dizer que o trabalho desenvolvido sob orientação do professor Bernardo Mançano Fernandes relaciona a data do evento, o nome da fazenda invadida, o município onde está localizada e o número de famílias envolvidas, além do movimento que liderou a ação.

Ao que se pode perceber, tanto o governo federal quanto as instituições dedicadas à pesquisa socioeconômica e, por extensão, a sociedade, dispõem a partir de agora de um mapeamento realista das invasões de terras, concebido com o respaldo da rigorosa metodologia científica decerto empregada pela equipe dirigida pelo geógrafo em questão. É lícito afirmar, ainda, que esta é a primeira vez que se tem conhecimento de um trabalho com tamanha amplitude, até pelo acentuado contraste evidenciado pela precariedade dos números apurados por organismos do serviço público ou pela Igreja.

Um levantamento como o que acaba de ser anunciado pelo professor Mançano poderá, sobretudo, servir para estabelecer a verdadeira dimensão de uma problemática para cuja resolução, até agora o governo central tem disponibilizado nada mais que soluções paliativas. A bem da verdade, uma lamentável deficiência administrativa que remonta as gestões federais desde a eleição indireta de José Sarney e, desde então dos sucessivos presidentes eleitos pelo voto popular. Aliás, se o acúmulo da irrealidade dos dados sobre as invasões de terras no País vem desde os anos 80s, e o número total de ações abusivas contra a propriedade privada é, de longe, infinitamente superior àquele consagrado nas estatísticas mais confiáveis sobre a questão agrária, não se pode tirar do governo da União a parcela de culpa pela inexistência de uma política de resultados eficazes e duradouros para o setor.

A percepção óbvia é que se o governo, ao contrário do que diz a propaganda, tivesse implantado uma política agrária que realmente funcionasse e não sofresse solução de continuidade a cada gestão, a freqüência das ações de ocupação de fazendas, que em última análise constituem uma afronta ao Estado de Direito teriam despencado para próximo do zero. Infelizmente, a situação tende a se agravar ainda mais com o estímulo de uma farândola de entidades à recorrente ocupação de unidades pertencentes à administração pública ou a empresas privadas, sendo as últimas tomadas ao pé da letra como emblemas da satanização do neoliberalismo.

O governo não mais poderá adiar as ações corretivas para o setor agrário, sob pena de assumir de forma definitiva a pecha de inerte e desinteressado. Todavia, as soluções para a questão, posto que decididas após proveitoso diálogo entre as partes interessadas, devem refletir em primeiro lugar o interesse social e jamais a visão maniqueísta de pseudo-democratas. 

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