Prescrição Penal

A imprensa esperneou. Ontem prescreveu a acusação de crime de formação de quadrilha imputado ao ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Os veículos de comunicação fizeram o maior alarde. Choveram críticas ao instituto da Prescrição Penal. Foi propalado que a Prescrição é a consagração da impunidade, que o simples decurso do tempo não pode deixar os criminosos impunes.

Em primeiro lugar, antes de se analisar o instituto propriamente dito, é necessário enfrentar a problemática, em torno da Prescrição Penal, de forma científica, com neutralidade axiológica, sem as paixões sociais e os clamores públicos que, invariavelmente, cegam e desnorteiam tal análise.

Dito isto, cumpre esclarecer o conceito de o que vem a ser Prescrição Penal. No ensinamento do saudoso Aníbal Bruno(1), a prescrição no Direito Penal é a “ação extintiva da punibilidade que exerce o decurso do tempo, quando inerte o poder público na repressão do crime”.

Acerca deste instituto jurídico, exsurgem-se duas posturas doutrinárias: uma crítica, outra garantista. Os críticos acusam a prescrição penal como interface da impunidade. Neste sentido, alinham-se inúmeros pensadores que vão desde os clássicos, como Bentham(2) e Henckel(3), até os modernos como notável professor Fábio André Guaragni(4) que sugere uma “crítica ao sistema prescricional brasileiro”. Por outra banda, não se pode olvidar aqueles outros que defendem o instituto da prescrição penal como garantia do cidadão. Neste prumo, destacam-se diversos teóricos, que remontam a jusfilósofos imortais, como Manzini(5) e Carrara(6) até doutrinadores contemporâneos, como Antonio Rodrigues Porto(7).

Sem embargo, do quanto se depreende da melhor doutrina, a prescrição penal é instituto indispensável para a subsistência do ordenamento jurídico. Neste sentido, Bettiol(8) dizia que o decurso do tempo faz desaparecer “o interesse social no cumprimento da pena”. Por seu turno, Battaglini(9) traz à baila a reflexão de que “o tempo ainda que não consiga apagar a lembrança dos fatos humanos, consegue atenuá-la ou abrandá-la. Se é que, contudo, não pode por si mesmo criar, modificar ou destruir fatos humanos, pode, porém, com a sua lenta e contínua ação demolidora, influir sobre a vida das relações jurídicas que se originaram dos mesmos fatos”. Sobre o assunto, Franz Von Liszt(10) estabelece um comparativo entre a prescrição aquisitiva do direito civil e a prescrição extintiva do direito penal. Segundo o memorável doutrinador alemão, o usucapião de um imóvel tem as raízes imbricadas no mesmo terreno epistemológico da prescrição penal do delito. Numa visão orgânica da pena, Von Liszt pontifica que “las penas mueren por asfixia en el tiempo, esto es, por prescripción”. Na doutrina pátria, Azevedo Marques(11) enfatiza que “a prescrição é instituto de política criminal criado, não no interesse imediato do réu ou condenado, mas no interesse público. No crime, a prescrição é um modo de extinção do poder punitivo do Estado, e não um modo de aquisição de um direito por parte do beneficiado”.

Com efeito, todo acusado tem o direito de ser julgado dentro de um tempo razoável, conforme reza o art. 8.º do Pacto de San José da Costa Rica. Esse direito, de um lado, gera uma obrigação, de outro, que corresponde ao dever do Estado em decidir a situação do réu dentro de um limite temporal. Não 0é possível que o acusado permaneça indefinidamente à mercê da pretensão punitiva do Estado. A indevida demora na prestação jurisdicional gera efeitos indesejáveis, tanto para o acusado, quanto para a sociedade. Para o acusado, pelo estigma incicatrizável que o rótulo de um processo lhe tatua na vida, sem contar a aflição psicológica da possibilidade de superveniência de condenação. Para a sociedade, a distância temporal entre a pena e o delito ofusca a idéia de que aquela é conseqüência deste. De fato, desde Beccaria(12), sabe-se que existe um liame que cinge a idéia dos delitos e das penas. Quando o processo se arrasta no tempo exageradamente, esse liame é quebrado. Nestes casos, a pena deixa de cristalizar a idéia de conseqüência imediata do crime para representar verdadeira vingança pública – o que definitivamente é inadmissível.

NOTAS

(1) BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 4.ª ed. vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 209.

(2) BENTHAM, Jeremias. Traité de legislation civile et criminelle. Vol. II, 1830, p. 162.

(3) HENCKEL, apud CARRARA, Francesco. Programa de Derecho Criminal. §741, nota 1.

(4) GUARAGNI, Fábio André. Prescrição Penal e Impunidade. 1.ª ed. Curitiba: Juruá, 2001.

(5) MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale, vol. III, 1948, p. 482.

(6) CARRARA, Francesco. Programa de Derecho Criminal. Trad. de José J. Ortega Torres e Jorge Guerrero. Parte General. vol. I e II. Bogotá: Temis.

(7) PORTO, Antonio Rodrigues. Da Prescrição Penal. 5. ed. São Paulo: RT, 1998.

(8) BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Trad. de Paulo José da Costa Jr. e Alberto Silva Franco. vol. III. São Paulo: RT, 1976, p. 222.

(9) BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal. Trad. de Paulo José da Costa Jr., Arminda Bergamini Miotto e Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 432.

(10) LISZT, Franz von. Tratado de Derecho Penal. Trad. de Luis Jimenez de Asua. 3.ª ed. Madrid: Reus, pp. 415-417.

(1) MARQUES, J. C. Azevedo. Prescrição Penal. São Paulo: RT, 1943.

(2) BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.

Adriano Sérgio Nunes Bretas

é acadêmico de Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba.

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