Por um fio

Está reaberta a temporada de caça, muito embora a mira das armas felizmente não esteja voltada para os remanescentes da fauna brasileira que outrora faziam a felicidade, algo estranha, de cidadãos ordeiros no trato e na convivência social, que tinham o costume atávico de se internar nas matas ou pradarias no encalço de aves de grande porte e animais, sobre os quais despejavam na forma do chumbo cuspido pela boca de suas espingardas os recalques de um duvidoso ?esporte?.

É necessário explanar que a reabertura da temporada se refere à cassação de mandatos e não à eliminação física de espécimes silvestres. Ela ocorre no âmbito do Congresso, especificamente na Câmara dos Deputados, cenáculo de tantas conquistas e feitos memoráveis na luta pelo estabelecimento do Estado de Direito. Pela enésima vez um de seus integrantes, agora o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), ex-presidente da Força Sindical, uma das maiores centrais de trabalhadores do País, está sendo acusado da prática de tráfico de influência, compadrio político e envolvimento pessoal no desvio de recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A barra pesou para o lado de Paulinho da Força, como é popularmente conhecido, a ponto de o deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE), corregedor-geral da Câmara, após ter examinado detidamente os indícios de que o parlamentar teria transgredido uma série de princípios elementares da conduta ilibada exigida dos homens públicos, optar pela resolução de encaminhar ao Conselho de Ética o pedido de abertura de processo contra o deputado paulista. Inocêncio diz não ter a menor dúvida que o caso é de perda do mandato.

As evidências ajuntadas pela Polícia Federal quanto ao envolvimento de Paulinho no desvio de recursos públicos, em operações de empréstimos intermediadas em favor de empresas comerciais e da Prefeitura Municipal de Praia Grande, no litoral de São Paulo, atingiram tal conotação que, mais uma vez, o procurador-geral Antonio Fernando Souza se valeu da competência constitucional para solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) o aprofundamento das investigações sobre os ilícitos cometidos pelo deputado, tendo em vista o foro privilegiado garantido pelo exercício de mandato eletivo federal.

Paulinho e alguns de seus assessores foram investigados pela Operação Santa Tereza, da Polícia Federal, a partir de suspeitas sobre um grupo envolvido com o tráfico local e internacional de mulheres, prostituição e fraudes em concessões de empréstimos do BNDES. O parlamentar foi apontado pela Polícia Federal como o chefe do esquema criminoso, mas nega todas as acusações. Ele e sua mulher Elza Pereira, presidente da ONG Meu Guri, contudo devem explicações definitivas sobre o recebimento de cheques e ordens de pagamento da parte do ex-assessor da Força Sindical, João Pedro de Moura, que foi visto mais de vinte vezes circulando pelo gabinete do deputado. A Polícia Federal caracterizou esses repasses como pagamento de propinas pela intermediação de empréstimos concedidos pelo BNDES.

Os rumores cada vez mais fortes da participação do deputado Paulo Pereira da Silva numa artimanha visando a apropriação indébita de recursos públicos, ganharam as ruas no momento em que a nação ainda se ressente do desaparecimento do senador amazonense Jefferson Peres, por sinal, um dos líderes mais respeitados do atual Congresso e do PDT, partido pelo qual o antigo operário metalúrgico, um dos inventores do ?sindicalismo de resultados?, novo nome do asqueroso peleguismo sindical da era Vargas, também obteve o mandato na Câmara.

Assim sendo, o paradoxo tornou-se alarmante. De um lado a honradez comprovada de um homem público marcado pela defesa intransigente das causas populares; do outro, um carreirista enfatuado e obcecado pelo poder, que resolveu utilizar como trampolim para obter ganhos ilícitos. Felizmente foi flagrado pelo crivo dos agentes da lei. Até quando teremos de suportar a afronta?

Voltar ao topo