Violência contra a mulher

Feminicídio no Paraná: dossiê detalha casos e aponta os sinais de perigo; saiba como pedir ajuda

Violência contra a mulher e feminicídio
Foto: Arquivo/ Tribuna do Paraná

“Por que aconteceu com ela?”. A pergunta pode parecer simples, mas é o ponto de partida de um extenso trabalho realizado pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid) do Tribunal de Justiça do Estado Paraná (TJ-PR), um dossiê que detalha 300 casos de feminicídio cometidos entre 2015 e 2020. O objetivo do trabalho é identificar pontos comuns entre os casos, e com isso fornecer pistas para que as mulheres saibam identificar a hora de pedir ajuda.

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Um dos pontos mais chocantes da pesquisa, coordenada pela desembargadora do TJPR e coordenadora da Cevid, Priscilla Placha Sá, mostra que a casa é um dos locais mais perigosos para as mulheres. De cada três feminicídios pesquisados, dois ocorreram em ambiente doméstico. Destes, a absoluta maioria aconteceu ou em casa ou em ruas próximas à moradia da vítima.

“Claro que não é de nenhuma maneira uma tentativa de implantar um cenário de terror, mas é importante sobretudo para estabelecer um signo de alerta. Precisamos estar de maneira atenta ao que acontece”, alertou a desembargadora, que disse perceber durante o trabalho que a realidade paranaense não é muito diferente do restante do Brasil. A maioria das mortes é registrada aos finais de semana (40% dos casos) e entre as 19 h e a meia-noite (33% das ocorrências).

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“A casa não é asilo inviolável para essas mulheres, e talvez nunca tenha sido. Nos casos de abuso sexual de meninas até 14 anos de idade, por exemplo, os crimes são cometidos em sua maioria por alguém do círculo familiar. Se olharmos para a literatura, vemos que a mulher era às vezes internada como louca, morria precocemente e ninguém sabia muito bem o que tinha acontecido. Agora isso ganhou visibilidade, mas infelizmente é algo que já vinha acontecendo”, comentou.

A violência dos atos cometidos pelos agressores também impressiona. O dossiê mostra que literalmente qualquer coisa pode ser usada pelo agressor. Tem prevalência o uso de armas brancas, como facas e facões, mas a pesquisa registrou casos em que as agressões foram cometidas com marretas, tijolos ou pedaços de madeira.

Roteiro de pistas

Priscilla conta que boa parte dos casos segue como que um roteiro, uma sucessão de fatos que, quando identificados precocemente, podem ajudar a salvar vidas. E a desembargadora alerta que essa é uma tarefa de todos, não só das pessoas próximas às vítimas.

“Uma grande parte dos casos tem um roteiro típico. Vão surgindo pistas. Num dia de calor, por exemplo, a moça está saindo de casa de moletom e gola alta. Tem alguma coisa acontecendo ali. Ela faltou seguidos dias ao trabalho. A violência doméstica é a segunda causa de maior ausência de mulheres no trabalho no mundo. São pistas para imaginarmos que tem ali um prenúncio. Quando os familiares da vítima ou as testemunhas são ouvidas, é muito comum frases como ‘puxa, e eu tivesse me atentado a isso’, ‘ela tinha me contado aquilo’. E por isso a importância do dossiê, alertar para essas questões”, ressaltou.

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Um dos pontos principais, destaca a desembargadora, é a percepção da violência psicológica contra a mulher. A violência física é um dos traços mais perceptíveis, mas como lembrou a desembargadora, é um dos últimos atos antes da consumação do crime. É preciso, portanto, se atentar para os sinais do que ela chama de atrofia psicológica.

“Começa mais ou menos como se o sujeito falasse ‘você é minha deusa e eu sou o seu deus’. E ele vai atrofiando a rede de amizades, a rede de contatos dela com a família. Ela passa a deixar de sair sozinha, não vai trabalhar fora, não vai mais ligar para a mãe, lhe é tirado o celular, é trancada no quarto. Aparentemente, as pessoas poderiam achar que o que está mais perto de um feminicídio é a violência física, mas esse é um dos últimos sintomas. É uma pista muito importante, mas o primeiro sinal e mais preocupante é o da violência psicológica. Você começa a ver sua colega que antes estava feliz, bem, agora está triste, apagada, mudou muito. Esses sinais devem colocar a gente em alerta”, disse.

Onde pedir ajuda

Identificada a presença de sinais de violência, física ou psicológica, é importante que a vítima saiba onde procurar ajuda. Além das delegacias da Polícia Civil, especializadas ou não em atendimento de violência contra a mulher, a desembargadora chama a atenção para outros meios de se acionar o socorro. Além do próprio site do Tribunal de Justiça, o Cevid também conta com um perfil no Instagram. As vítimas também têm à sua disposição os atendimentos da Defensoria Pública e do Ministério Público.

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Priscilla destaca também a necessidade de formação de magistrados mais conectados com essa temática como uma forma de rompimento com a cultura de violência contra a mulher. “Casos como esse exigem um olhar específico. Essas medidas nos permitem avançar nessa viagem de mudança de comportamento. Dificilmente uma garota de 13 anos hoje não sabe o que é feminicídio. Essa chave da cultura, de comportamento, é um pouco mais complicada de virar, mas temos pistas positivas de que é possível. É uma mudança complicada, demorada, difícil, mas não é impossível”.

Telefones de Emergência:

  • Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180
  • Polícia Militar – Ligue 190 
  • Disque Denúncia – Ligue 181
  • Bombeiros – Ligue 193
  • Defensoria Pública – Ligue 129
  • Patrulha Maria da Penha (Mulheres com Medidas Protetivas de Urgência) – Ligue 153