Dois lados da saúde na capital paranaense

Criticado na maior parte do País, o Sistema Único de Saúde (SUS), municipalizado há quase 20 anos em Curitiba, caminha a passos lentos para atender os requisitos de qualidade impostos por profissionais da área e pela população.

Mas o que impede que o sistema da capital paranaense alcance este status de excelência? A resposta pode estar nos atendimentos das unidades de saúde espalhadas pelos 77 bairros da cidade.

A reportagem de O Estado percorreu alguns dos postos e conversou com a população. Com os relatos, fica claro que há um abismo entre as unidades de saúde e os postos 24 horas, quando o assunto é qualidade no atendimento e na estrutura funcional.

Enquanto nas unidades de saúde simples é preciso madrugar para se conseguir uma consulta, os atendimentos dos postos 24 horas são realizados quase que de forma instantânea.

De acordo com os usuários do sistema de saúde de Curitiba, a diferença é substancial, mesmo que a grande parte dos atendimentos dos postos 24 horas sejam emergenciais.

Segundo o diretor do Sistema de Urgências e Emergências da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Matheos Chomatas, isso acontece porque as unidades de saúde dos bairros estão com uma lacuna de profissionais.

Ele explica que nesses locais, os médicos e enfermeiros fazem parte do quadro efetivo de servidores municipais e só podem ser contratados através de concurso público.

Já nos postos 24 horas, a estrutura, tanto de materiais quanto do corpo clínico, é cedida por hospitais particulares. Segundo Chomatas, existe um contrato firmado entre a prefeitura e os hospitais para a prestação do serviço. Assim, a responsabilidade pela reposição de um médico, por exemplo, fica por conta do hospital contratado.

O diretor explica que a falta de médicos é um problema que a prefeitura vem enfrentando há anos. Segundo ele, nem mesmo os altos salários oferecidos pela administração municipal funcionam como fator decisivo para que os profissionais se mantenham na carreira pública.

“A remuneração paga pela prefeitura está dentro do patamar do mercado. Um médico da família chega a ganhar de R$ 7 a R$ 9 mil. Mesmo assim, alguns desistem da carreira e é preciso fazer um novo concurso público para repor as eventuais perdas”, afirma.

Edwgen Silvério (à direita) sobre a unidade 24h: “Me atenderam rápido”.

Chomatas conta que a prefeitura já realizou um último concurso público para a contratação de 120 vagas neste ano. O edital com a classificação final dos aprovados foi publicado no último dia 9.

A convocação dos novos servidores deve acontecer a partir de maio. “Vamos fazer todas as contratações necessárias. O concurso foi bastante procurado, tivemos vários candidatos”, diz o diretor.

Para Chomatas, no entanto, a efetivação dos aprovados para completar o quadro de servidores da área pode se estender até junho, já que da convocação à posse do cargo a demora gira em torno de 60 dias.

Até lá, a população precisará ser paciente com os problemas decorrentes da falta de médicos. “Isso não é apenas uma questão de reposição. Nossa pretensão é, além de solucionar esse problema, estender todos os serviços”, comenta Chomatas.

Exemplos que podem dar certo

Elogiado pelos usuários do sistema de Saúde de Curitiba, os postos 24h são o exemplo de que quando os órgãos municipais, estaduais e a iniciativa privada se unem, é possível oferecer serviços de qualidade à população.

Um dos exemplos é a Unidade de Saúde 24h do bairro Pinheirinho. A construção da unidade foi v,iabilizada em uma parceria entre o governo do Estado, que investiu R$ 970,7 mil do Fundo de Desenvolvimento Urbano (FDU), e a prefeitura, que custeou R$ 400 mil da obra.

Moradora do bairro Xaxim, a dona de casa Rosi Werneck precisou levar o irmão com princípio de enfarto para o posto do Pinheirinho. Ela afirma que não há comparação entre o atendimento do posto 24h e a unidade do bairro onde reside.  “O 24h dá de cinquenta a zero”, comenta.

Já na Unidade de Saúde 24h do bairro Campo Comprido, o aposentado Edwgen Silvério Paes, compara a estrutura à hospitais de “primeiro mundo”. O aposentado precisou ficar em observação em um dos leitos da unidade por conta de uma picada de aranha marrom. “A gente se preocupa, mas me atenderam rápido. Aqui o atendimento é excelente”, afirma.

De acordo com a chefe do posto 24h do Campo Cumprido, Deise Torteli, a unidade conta com uma equipe médica cedida pelo Hospital Evangélico. “Aqui temos 10 leitos pediátricos, 10 adultos, além de seis UTIs para emergências”, diz.

Segundo o diretor do Sistema de Urgências e Emergências da Secretaria Municipal de Saúde, Matheos Chomatas, o sistema ainda sofre uma sobrecarga por conta do contingente da RMC. “Mesmo com uma boa estrutura, o sistema fica sobrecarregado”, diz o diretor.

Reclamações e elogios ao mesmo tempo

Albertina Ramos e a filha Solange.

A falta de médicos reconhecida pelo diretor do Sistema de Urgências e Emergências da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Matheos Chomatas, no entanto, não acontece em todas as unidades de saúde do município.

A dona de casa Severina Gonçalo Inforzato conta que mensalmente precisa levar a mãe, que sofre de diabetes, na Unidade de Saúde Parque Industrial, no bairro Capão Raso, onde mora.

Ela, que elogia o trabalho prestado pela equipe da unidade, conta que já precisou, inclusive, de um atendimento de urgência e foi prontamente atendida. “Trouxe a minha mãe aqui com crise de hipoglicemia. Foi preciso aplicar insulina para controlar a situação. O atendimento foi rápido e eficaz”, afirma Severina.

Mas, segunda ela, nos demais procedimentos, a demora acontece. “Precisaria de mais funcionários”, destaca. A situação, contudo, piora nas unidades que atendem uma demanda maior de pacientes, como no caso da Unidade de Saúde Vista Alegre, no bairro Pilarzinho.

A doméstica Albertina de Souza Ramos, que é hipertensa e precisa de acompanhamento médico, conta que mesmo chegando bem cedo ao local é difícil conseguir uma consulta.

Segundo ela, para garantir o atendimento é necessário chegar antes das 5h. “Para quem chega depois desse horário, é dada a opção de atendimento à tarde, mas tem todo mundo pode passar o dia esperando”, conta Albertina.

Segundo a doméstica, o problema se estende para as especialidades. Nesse caso, é preciso chegar com pelo menos uma hora de antecedência para confirmar a consulta.

Acompanhada da filha, Solange Ramos, grávida de sete meses, Albertina afirma que em caso de atraso, o paciente está arriscado a perder a consulta. Solange conta que tem dificuldades de acordar cedo para garantir a consulta. “Nem sempre dá para chegar muito cedo. Eu trabalho à noite.”