O público e a reforma

Nenhuma comprovação teológica para o ditado de que a voz do povo é a voz de Deus. De outro lado, a voz dos parlamentares, no Congresso, em uma democracia, deveria ser a voz do povo. Aqueles representam estes e devem atender aos seus reclamos, sob pena de estarem frustrando o mandato recebido. Nesta hora em que, por iniciativa do presidente Lula, no Congresso é apreciada a reforma da Previdência que diz de perto aos interesses dos cidadãos, o desejável é que deputados e senadores façam repercutir a voz do povo, outorgante de seus mandatos. Por isso, muito oportuna pesquisa feita pelo Datafolha, mostrando o que pensa o povo sobre pontos essenciais e mais conflitivos da proposta governamental.

Certamente o mais conflitivo é a pretendida cobrança de contribuição dos servidores inativos. A pesquisa demonstra que 51% dos entrevistados é contra a cobrança de contribuição do que exceder, nos vencimentos dos servidores públicos, à importância de R$ l.058,00, limite de isenção do recolhimento do imposto de renda na fonte. A favor são só 40%. Um dado interessante é que a favor da taxação estão pessoas que ganham menos, o que se explica. Como a taxação parte do que exceder a R$ 1.058,00, a medida não atingirá a maioria dos que ganham pouco; e para os que ganham vencimentos que excedem àquele mínimo em apenas alguns reais, a contribuição será pequena. Já para os que ganham bem mais, a taxação vai pesar, pois incidirá sobre uma parte expressiva de seus vencimentos.

A pesquisa levou à conclusão, também, que a maioria apóia o teto de aposentadoria, tanto para o setor privado, como para o público. A proposta governamental é que esse teto seja de R$ 2.400,00 por mês. Assim, ninguém se aposentará com mais do que essa importância. Se consideramos ainda que haverá incidência de imposto de renda e da própria contribuição previdenciária, mesmo os que ganharem o máximo receberão muito menos que o teto.

De tanto ser pobre e ganhar pouco, o povo brasileiro está olhando as perspectivas salariais e de aposentadoria com excessiva modéstia. Vê como suficientes ganhos que, comparados aos salários de países desenvolvidos, são ninharias. Esse teto, de tão baixo, com as deduções já previstas, condena os brasileiros à eterna condição de pobres ou, no máximo, remediados, se forem capazes de ainda economizar por dezenas de anos para fazer uma razoável aposentadoria complementar. R$ 2.400,00 é muito menos do que mil dólares, importância que remunera profissões humildes em países em desenvolvimento e desenvolvidos.

Os consultados na pesquisa também rejeitam a idade mínima para aposentadoria. Como se sabe, o sistema no Brasil sempre foi de tempo de contribuição. Passou a considerar a idade mínima do trabalhador e o governo Lula quer elevá-la de 48 para 55 anos para as mulheres e de 53 para 60 anos para os homens. Essa rejeição explica-se: acontece que a expectativa de vida do trabalhador brasileiro ainda é muito baixa e há o risco de muitos trabalhadores morrerem antes de gozar a aposentadoria. Por outro lado, brasileiros de classes mais humildes são obrigados a trabalhar desde tenra idade. Portanto, contribuem por muito mais anos que os oriundos de famílias mais abastadas, que só começam a trabalhar pelos dezoito anos de idade ou mais tarde, quando formados em cursos de graduação.

Se a voz do povo é a voz de Deus, está havendo alguma confusão teológica ou de interpretação da fala divina. A reforma da Previdência, sem dúvida necessária, precisa de emendas corretivas.

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