O perigo da forma de propaganda

Está em discussão na Câmara dos Deputados uma proposta que proíbe a propaganda de cerveja. E o mercado publicitário está impaciente. O investimento em 2002 foi algo perto de R$ 600 milhões, na propaganda das diversas marcas. Uma preocupação justa de um segmento que tem um “poder de fogo considerável”. Mas a questão aqui não é a publicidade em si, o quanto vai ser investido, no que ela rende para a mídia e muito menos se o dinheiro vai sobrar aqui ou ali.

O caso é da forma com que a publicidade do produto vem sendo explorada mais recentemente. Como editor de um caderno infantil aqui neste O Estado e preocupado com aquilo que nossas crianças recebem da área da comunicação, fico imaginando que providencial seria se nossas autoridades não cortassem a publicidade pura e simplesmente, mas que exigissem de nossos campeões da propaganda um pouco mais de cuidado quando tratassem do tema.

O que temos visto na TV ultimamente são campanhas publicitárias muito convidativas, afinal o objetivo da propaganda é vender o produto. Entretanto os temas são os mais perigosos possíveis para os nossos filhos. Vejam senão: siris tirando o maior sarro de pessoas, depois de esvaziarem suas latas de cerveja; tartarugas super-abilidosas controlando latas de cerveja como se fossem craques de bola e depois degustando o produto com o máximo prazer; pingüins com a voz de personagens infantis loucos para tomar uma cervejinha; peixinhos que pulam para fora do mar para tomar um gostoso gole de cerveja; cachorrinhos que balançam o rabo e saltam felizes diante do copo; abelhinhas que se refrescam num copo de cerveja; dois jovens que brigam, no estilo pastelão em busca da marca preferida; tatuagens falantes e por aí afora. Aqui não escapa marca ou companhia, quero crer, para alguém não pensar que estou privilegiando esta ou aquela.

Fato é que as crianças ficam paralisadas diante da TV admirando esses “bichinhos e personagens”, num efeito repetitivo poderosíssimo. É na hora da novela, é no futebol, é no filme premiado, em toda hora, enfim, que a família se esparrama no sofá para assistir televisão. Fico aqui imaginando o que não deve passar pela cabeça de tantas criancinhas diante desses comerciais convidativos. E temo mesmo que elas comecem a beber mais cedo.

Aliás, isso já está acontecendo. É comum jovens e principalmente adolescentes abandonarem as salas de aula em troca de uma cervejinha com os amigos. Outro dia um psicólogo disse, numa entrevista na TV Cultura, que os jovens já não bebem mais água, tomam cerveja. Ou seja: trocam a água pelo álcool. Com isso começam a fumar, a consumir drogas e a delinqüir. Temos uma imensa responsabilidade no tratamento das coisas para os nossos pequenos. Púberes são cópias dos adultos. Resta saber a quem eles vão copiar, que virtudes e defeitos eles “pinçarão”, para usar um termo que muitos chiques estão gastando.

Esta será uma forma também de contribuirmos para uma segurança melhor no futuro, para diminuir o quadro de casas de recuperação de viciados e para termos uma juventude mais sadia e preocupada com as boas formas de viver. Não posso ser contra a propaganda, seria até uma incoerência profissional, mas a forma como está sendo feito, não posso concordar.

Osni Gomes

(osni@pron.com.br) é editor em O Estado e escreve aos domingos neste espaço.

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