O império contra-ataca

Ao contrário do que tem sido exaustivamente repetido, a eleição de Bento XVI não reflete uma posição excessivamente cautelosa da Igreja Católica, e sim de franca reação em busca do espaço perdido durante o papado de João Paulo II.

A Igreja Católica sempre foi muito conservadora. Não fosse assim, jamais estaria próxima de completar o seu segundo milênio de existência. No mundo ocidental qualquer igreja que seja permissiva demais em relação à moral está fadada ao fracasso. Não se vai à igreja em busca de aprovação, mas sim para tentar elaborar o eterno e incansável sentimento de culpa. A culpa é fundamental para as igrejas, pois sem ela não há pecado e sem pecado não há igreja. A função das igrejas é, sobretudo, perdoar os pecadores para que esses sigam pecando. Se o pecado é mesmo da natureza humana, que se dê, ao menos, alívio ao pesado fardo da culpa.

Por ter sido muito tolerante com seus fiéis pecadores é que a Igreja Católica viu o seu rebanho ser diminuído sensivelmente nas últimas décadas. O catolicismo moderno tem sido marcado pela infidelidade aos seus dogmas mais básicos. Poucos vão à missa e, menos ainda, confessam. Enquanto isso as emergentes igrejas evangélicas, que também são extremamente conservadoras em seus julgamentos morais, estão cada vez mais cheias. Os pastores evangélicos cobram fidelidade, compromisso e, acima de tudo, o temor à satanás, que é o pai de todos os pecados.

O demônio nada mais é do que uma metáfora do nosso lado obscuro, aquele que traz os desejos e as vontades mais inconfessáveis. Não pecamos porque queremos, mas porque ?sucumbimos à tentação do diabo?. Eis a sua nobre função: expiar todas as culpas da humanidade. Nunca é demais lembrar que a idéia da existência de Deus só é concebida desde que exista satanás. São idéias antagônicas, mas que se completam. Uma dá sentido à outra, pois para desejar salvar-se é preciso, antes, temer a perdição.

Vale lembrar que a Igreja Católica viveu o seu ápice justamente durante as trevas da Idade Média, quando espalhou o terror com a Santa Inquisição (ou Tribunal do Santo Ofício), levando à fogueira milhões de ?possuídos pelo demônio?. E por causa desse nefasto passado, a Igreja, receosa, deixou de explorar as profundezas do inferno para manter seu rebanho.

Diante dessa evidente crise de identidade, não restava outra alternativa a Bento XVI senão a de manter-se fiel às tradições, condenando implacavelmente toda e qualquer liberdade moral, pois voltar-se à simplicidade original da doutrina de Cristo, que é baseada na compreensão, na humildade e no incondicional amor ao próximo, seria o mesmo que decretar o fim da própria Igreja Católica, em face da absoluta falta de seguidores de preceitos tão estranhos à natureza humana.

Djalma Filho é advogado djalma-filho@brturbo.com.br

Voltar ao topo