O ano do software livre, das fraudes e do combate ao spam

O ano de 2003 foi pautado por questões estruturais e estratégicas no âmbito da Tecnologia da Informação. Podemos chamá-lo, sem receio, de “o ano do software livre”. O Projeto Software Livre Brasil foi lançado oficialmente em agosto no Congresso Nacional, e em seguida foi criada a Frente Parlamentar Mista de apoio, resultando em um maior impulso para a adoção dessa alternativa pela administração pública federal, estadual e municipal. O Superior Tribunal Militar foi um dos primeiros a utilizar o sistema operacional Linux, no início do ano.

Além disso, diversos especialistas continuam estudando formas de tornar mais flexível o conceito de copyright. No caso do software livre, por meio de um licenciamento condizente com a sistemática local e com a ideologia apregoada por seus defensores (as quatro liberdades: usar, estudar, melhorar e redistribuir o código), de modo que toda a comunidade possa se beneficiar. Nesse sentido, a CC-GPL-Br é uma das primeiras iniciativas concretas a ser recepcionada pelo governo brasileiro, recentemente.

A informatização teve papel de destaque, e diversas sessões pioneiras foram feitas sem a utilização do papel, por meio de processos eletrônicos (e-proc), videoconferências e gravações das audiências. E a TV Justiça firmou-se no cotidiano da comunidade, e desde janeiro é transmitida também via internet.

As mensagens não solicitadas (“spam”) continuam se avolumando sistematicamente e em progressão geométrica, perturbando nossa privacidade e entupindo diariamente as caixas postais. Os projetos de lei sobre o tema são repetitivos e inadequados, pregando a regulamentação da prática em vez de combatê-la. O mesmo se pode dizer do código de ética proposto pelo recém-criado “Comitê Brasileiro Antispam”, alvo de diversas críticas.

Na categoria dos cibercrimes, as fraudes foram inúmeras e cada vez mais aprimoradas e invasivas. Por meio de técnicas de engenharia social, que incluem a clonagem de sites de instituições financeiras e o envio de mensagens falsas contendo programas espiões (“trojans”, “keyloggers” e “screenloggers”), estelionatários vêm obtendo êxito em se apossar de dados pessoais e senhas. O ano teve, ainda, os vírus de computador mais devastadores já vistos. E os “crackers” e pichadores (“defacers”) continuaram se valendo, impunemente, de falhas e vulnerabilidades dos sistemas e redes.

Outros temas bastante discutidos durante o ano foram a aplicabilidade do novo Código Civil à internet, inclusão digital, realização de interrogatórios e depoimentos de testemunhas a distância, provimento de acesso gratuito, venda casada na banda larga, e-CPF e e-CNPJ, regulamentação das profissões na área de informática, acesso de menores às “lan-houses” e cibercafés, armazenamento dos registros de conexões (“logs”), adoção de padrões nacionais para a TV digital, entre outros.

Legislação

Pelo menos três leis importantes na área da informática foram sancionadas neste ano:

– Lei n.º 10.695, que altera e acresce parágrafo ao art. 184 e dá nova redação ao art. 186 do Código Penal, revoga o art. 185, e acrescenta dispositivos ao Código de Processo Penal. As músicas em MP3 se tornaram caso de polícia;

– Lei n.º 10.740, que altera a Lei n.º 9.504/97, e a Lei n.º 10.408/02, para implantar o registro digital do voto. Em decorrência, houve o fim do voto impresso; e

– Lei n.º 10.764, que altera a Lei n.º 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Prevê uma tipificação mais adequada à prática da pornografia infantil (ou pedofilia) e agravamento das penas.

A Portaria Interministerial n.º 739 deu nova redação aos arts. 2.º e 3.º da Portaria Interministerial MC/MCT n.º 147/95, que criou o Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Um novo Comitê Gestor e um novo modelo de governança da Internet no Brasil foram instituídos pelo decreto n.º 4.829, que almeja a democratização do processo de escolha dos representantes da sociedade civil na nova estrutura. Outros decretos, por sua vez, instituíram o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (n.º 4.901), a Rede Brasil de Tecnologia – RBT (n.º 4.776), e políticas públicas de telecomunicações (n.º 4.733).

Projetos de lei

Na seara dos projetos de lei, além das dezenas de iniciativas que foram propostas, o Senado Federal aprovou projetos de lei significativos, dentre os quais se destacam:

– PL 228/00, que altera o art. 1.º da Lei n.º 9.800/99, que permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais;

– PL 2.308/00, que dispõe sobre a divulgação, através da Internet, dos dados e informações relativos a licitações realizadas pelos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em todos os níveis da Administração Pública e dá outras providências;

– PL 234/02, que dispõe sobre requisitos e condições para o registro de nomes de domínio na rede internet no Brasil;

– PL 225/03, que normatiza a divulgação de documentos institucionais, produzidos em língua estrangeira, nos sítios e portais da Internet mantidos por órgãos e entidades públicos; e

– PL 240/03, que altera a Lei n.º 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para determinar a adoção de políticas específicas de acesso a bibliotecas, a computadores e à Internet e elaboração de metas de inclusão digital.

Já o plenário da Câmara aprovou, após intensas discussões, o PL 84/99 que trata dos crimes cometidos na área de informática e suas penalidades.

Jurisprudência

As principais decisões dos Tribunais Superiores no ano de 2003 foram as seguintes:

– A 1.ª Turma do STF determinou que a “assinatura digitalizada não é assinatura de próprio punho. Só será admitida em peças processuais após regulamentada”;

– A 1.ª Turma do STJ decidiu que “é plenamente eficaz, como ato processual, a petição remetida por correio eletrônico (Internet), quando os originais, devidamente assinados, são entregues até cinco dias da data do término do prazo recursal”;

– De acordo com a 2.ª Turma do STJ, os serviços prestados pela Internet não são considerados serviços de telecomunicações, mas sim de valor adicionado;

– Para a 3.ª Turma do STJ, “as informações trazidas pela Internet têm natureza meramente informativa e não vinculativa, não podendo, pois, substituir a forma prevista em lei para contagem dos prazos processuais”. E que “o programa de computador (software) possui natureza jurídica de direito autoral (obra intelectual), e não de propriedade industrial, sendo-lhe aplicável o regime jurídico atinente às obras literárias”;

– A 3.ª Turma do TST decidiu que “no âmbito desta Corte, não há regulamentação acerca de transmissão de recursos por correio eletrônico. A Lei n.º 9.800/99 regula unicamente a transmissão de recurso por fac-símile, cuja convalidação somente ocorre com a apresentação do original no prazo determinado”;

– A 5.ª Turma do TST não conheceu agravo de instrumento porque “foi transmitido por correio eletrônico sem a certificação digital exigida para lhe conferir validade e autenticidade”.

– Já Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do TST decidiu que “a interpretação do art. 1.º da Lei n.º 9.800/99 não deve impor-lhe um programa normativo que sinalize a impossibilidade de equiparação do fax aos meios eletrônicos de transmissão de dados, fazendo crer que a interposição de recurso por e-mail (ou por sistema de peticionamento eletrônico) seja substancialmente diversa daquela feita pelo fac-símile”. Também decidiu que “é juridicamente inexistente petição apresentada por intermédio de e-mail sem qualquer tipo de certificação digital”.

Omar Kaminski

é advogado em Curitiba, diretor de Internet do IBDI – Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática e organizador da obra “Internet Legal – O Direito na Tecnologia da Informação” (Juruá, 2003).

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