Matusalém dos Santos

O acidente de trabalho e a estabilidade

A cultura empresarial tem sido no sentido de reconhecer a estabilidade de doze meses, decorrente de acidente ou doença do trabalho, apenas quando o trabalhador retorna do benefício de auxílio-doença acidentário concedido pelo INSS, ou seja, quando este benefício é cessado.

Na prática este procedimento, em regra, sequer é contestado pelos trabalhadores, pois que sua aplicação em tese estaria de acordo com a lei, no caso o artigo 118 da Lei 8.213/91:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Entretanto, entre o início da incapacidade para o trabalho e a concessão do benefício de auxílio-doença pelo INSS existe um intervalo de tempo de quinze dias que o trabalhador fica afastado do trabalho, porém remunerado diretamente pela empresa.

Trata-se de um procedimento legal, conforme expressamente prevê o § 3.º do artigo 60 da Lei 8.213/91:

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
(…)
§ 3.º Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.

O debate então está em estabelecer qual a natureza deste período de afastamento que é pago pela empresa. Se o benefício previdenciário propriamente dito se inicia apenas quando seu pagamento é assumido pelo INSS ou se está ele caracterizado já a partir do afastamento da empresa.

O fato de o INSS assumir o pagamento do benefício somente a partir do décimo sexto dia de afastamento do trabalho não é óbice à caracterização como benefício previdenciário dos dias de afastamento a cargo da empresa, pois que a Previdência Social faz parte da Seguridade Social e está compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (artigo 194 da CF/88).

Já no artigo 195 da Constituição Federal temos que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei …”.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, motivado por ações movidas em regra pelas próprias empresas, as quais visam desincumbir-se dos encargos previdenciários sobre o pagamento destes dias de afastamento, tem decidido reiteradamente que o período pago diretamente pelas empresas não tem natureza salarial, porquanto não representa contra-prestação de trabalho pelo valor recebido. Não sendo salário só pode ser benefício previdenciário pago diretamente pela empresa, como textualmente consta desta jurisprudência:

“Tributário. Contribuição previdenciária. Auxílio-doença.

1. O empregado afastado por motivo de doença não presta serviço e, por isso, não recebe salário, mas apenas uma verba de caráter previdenciário de seu empregador, durante os primeiros quinze dias. A descaracterização da natureza salarial da citada verba afasta a incidência de contribuição previdenciária.”

(STJ, REsp n.º 1.049.417-RS Rel. Min. Castro Meira Documento 3917565)

Uma vez caracterizado que o benefício previdenciário acidentário tem seu início a partir do momento em que o trabalhador se afasta da empresa, nasce aí, também, o direito a estabilidade, independentemente de o afastamento superar os quinze dias ou haver recebimento de benefício do INSS.

Afinal, a expressão “após a cessação do auxílio-doença acidentário’ contida no artigo 118 da Lei 8.213/91 não pode ser deduzida como sendo o benefício pago pelo INSS, estando contido nela, também e inegavelmente, o período de benefício a cargo da empresa.

Esta linha de raciocínio nos leva ao questionamento do inciso II da súmula 378 do TST:

Súmula n.º 378 – TST – Estabilidade Provisória – Acidente do Trabalho – Constitucionalidade – Pressupostos

I – É constitucional o artigo 118 da Lei n.º 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ n.º 105 – Inserida em 1/10/1997)

II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (Primeira parte – ex-OJ n.º 230 – Inserida em 20.06.2001)

A súmula é explícita em reconhecer o direito a estabilidade somente após quinze dias de afastamento do trabalho, o que significa pagamento de benefício pelo INSS. Apenas admite a estabilidade sem afastamento se o trabalhador doente for demitido sem ser encaminhado ao INSS, o que é uma forma de punir o empregador por ter cerceado o direito do empregado de ver seu caso apreciado pela Previdência.

Porém, na maioria das vezes em que o trabalhador, por motivo de acidente, se afasta da empresa por período inferior a quinze dias, seu retorno ao trabalho se dá porque recuperou a saúde. Logo não será o caso de ser contatada doença após a despedida. Entretanto, a estabilidade está garantida por lei, da mesma forma quando ele retorna com saúde após benefício pago pelo INSS.
Portanto, a redação do artigo 118 da Lei 8.213/91, reforçada pela posição unânime do Superior Tribunal de Justiça, o qual tem competência constitucional para julgar matéria de direito previdenciário, de que os primeiros quinze dias de afastamento do trabalho por motivo de doença constituem beneficio previdenciário pago pela empresa, evidencia a ilegalidade da súmula n.º 378 do TST ao fixar como “pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário’.

Matusalém dos Santos é advogado, especialista em Previdência Social, assessor da Fetiesc, Sindicatos de Trabalhadores e Associações de Aposentados e Pensionistas.

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