Negado pedido de anulação de ato administrativo que cassou aposentadoria de servidor público condenado por crime de peculato

A 5.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná manteve, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 5.ª Vara Cível da Comarca de Maringá que julgou improcedente o pedido formulado na ação anulatória de ato administrativo (cassação de aposentadoria) cumulada com indenização ajuizada pelo funcionário público A.F.N. contra o Estado do Paraná e a Paranaprevidência.

A pena de cassação da aposentadoria do referido funcionário resultou de um processo administrativo disciplinar a que ele foi submetido por violação de deveres funcionais.

Na esfera criminal, por alguns dos mesmos fatos que ensejaram a instauração do mencionado processo administrativo disciplinar, ele foi condenado à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão pela prática do crime de peculato doloso, tipificado no art. 312, caput, do Código Penal, que dispõe: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa”.

O relator do recurso de apelação, desembargador Xisto Pereira, em seu voto, destacou, entre outras considerações, que “a pena de cassação da aposentadoria está prevista no art. 300, inciso I, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Paraná (Lei Estadual n.º 6.174/1970), tendo aplicação quando o servidor inativo ‘praticou falta grave no exercício do cargo ou função’.”

O recurso de apelação

Sustentou o apelante: que, desde seu ingresso no serviço público estadual, em 05.02.1980, nunca sofreu penalidade administrativa, salvo a prolatada no processo administrativo ora impugnado; que é manifestamente ilegal o Decreto Estadual n.° 1.484/2003 que cassou sua aposentadoria porque inexiste seu pressuposto subjetivo de validade, haja vista a usurpação da competência, pelo Chefe do Poder Executivo Estadual, para julgamento em tais casos de processos administrativos disciplinares, conferida por lei ao Conselho Superior do Magistério; que o Conselho Superior do Magistério emitiu parecer aduzindo serem insuficientes as provas apresentadas para ensejar qualquer tipo de punição ao apelante; que foram violados os pressupostos formalísticos previstos no art. 71, inc. III, da CF e no art. 75, inc. III, da CE, pois a aprovação da sua aposentadoria pelo Tribunal de Contas vincula a eficácia dos atos administrativos de concessão, revogação ou cassação desse benefício; que o ato administrativo de cassação de sua aposentadoria é ilegal porque viola os princípios previdenciários, visto que desde 16.12.1998 já tinha adquirido esse direito pelo tempo de contribuição e que houve ofensa a pressuposto lógico, pois a aplicação da aludida pena não guarda pertinência entre a causa e o conteúdo do ato administrativo-disciplinar, ocorrendo, ainda, ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa.

Nesses termos, pugnou pela declaração de nulidade do Decreto n.º 1.484/2003 e condenação dos apelados “ao pagamento dos proventos vencidos, acrescidos de juros, esses no valor de 1% ao mês e correção monetária, bem como, juros remuneratórios e vantagens concedidas aos aposentados no período em debate até o efetivo restabelecimento desse benefício previdenciário”.

O voto do relator

O relator do recurso, desembargador Xisto Pereira, consignou inicialmente: “Segundo alega o apelante é nulo de pleno direito o processo administrativo disciplinar a que foi submetido e que culminou com a cassação de sua aposentadoria”.

“A uma, porque o parecer do Conselho do Magistério, opinando pela sua absolvição, tem força vinculante. A duas, porque foi cerceado seu direito de defesa no curso do referido processo administrativo disciplinar.”

“Essas teses não vingam.”

“Na esfera criminal o apelante, por alguns dos mesmos fatos que ensejaram a instauração do aludido processo administrativo disciplinar, restou por decisão judicial transitada em julgado condenado à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão pela prática do crime de peculato doloso (CP, art. 312, caput) (fls. 312/313 e 620/638).”

“Essa decisão judicial tem repercussão direta no âmbito administrativo por força do que dispõe a alínea “a” do inciso I do art. 92 do Código Penal, verbis: “Art. 92 – São também efeitos da condenação: I – a perda de cargo, função pública ou mandado eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (destacou-se).

“Do Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido, o seguinte julgado: ‘ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR SEQUENCIADO POR REGULAR PROCESSO CRIMINAL. SUPERVENIÊNCIA DESENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. EFEITOS QUE SE PROJETAM NA SEARA ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE SEGURANÇA DENEGADO. 1. O Poder Judiciário pode sindicar amplamente, em mandado de segurança, o ato administrativo que aplica a sanção de demissão a Servidor Público, para mensurar a sua adequação à gravidade da infração disciplinar, não ficando a análise jurisdicional limitada aos aspectos formais do ato administrativo. 2. O Processo Administrativo Disciplinar não é dependente da instância penal, não se exigindo, destarte, para a aplicação da sanção administrativa de demissão, a prévia condenação, com trânsito em julgado, do Servidor no juízo criminal, em Ação Penal relativa aos mesmos fatos; porém, quando o Juízo Penal já se pronunciou definitivamente sobre esses fatos, que constituem, ao mesmo tempo, o objeto do PAD, exarando sentença condenatória, não há como negar a sua inevitável repercussão no âmbito administrativo sancionador. 3. É nula a aplicação de sanção demissória a Servidor Público, quando a Comissão do PAD não logra reunir elementos probatórios densos, sérios e coerentes da prática do ato infracional punível com a demissão e da sua autoria, mas se esses elementos já foram devidamente apurados na instância criminal, com a emissão de sentença condenatória, tem-se os fatos do PAD como igualmente comprovados, eis que são os mesmos que serviram de supedâneo ao Juízo Penal. 4. O exercício do poder administrativo disciplinar não está subordinado ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória exarada contra Servidor Público, embora a sua eventual absolvição criminal futura possa justificar a revisão da sanção administrativa, se não houver falta residual sancionável (Súmula 18 do STF). 5. Ordem de segurança que se denega, de acordo com o parecer do douto MPF’ (3.ª Seção, MandSeg. n.º 13.599/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 12.05.2010, destacou-se).”

“Por outro lado, a pena de cassação da aposentadoria está prevista no art. 300, inciso I, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Paraná (Lei Estadual n.º 6.174/1970), tendo aplicação quando o servidor inativo ‘praticou falta grave no exercício do cargo ou função’.”

“Essa sanção disciplinar não está, por óbvio, sujeita à aprovação ou a qualquer outra deliberação do Tribunal de Contas, visto que se trata de um ato interna corporis do Executivo no exercício do seu poder administrativo sancionador.”

“É dizer, em outras palavras, que o Tribunal de Contas não tem o poder de, em se tratando de punição disciplinar, rever o ato administrativo do Poder Executivo.”

“Por fim, como muito bem enfatizado na sentença recorrida, prolatada pelo brilhante magistrado Siladelfo Rodrigues da Silva, ‘O simples fato de o autor poder exercer o direito de pleitear a aposentadoria não lhe exime do direito de exercitar seu labor com esmero e lealdade, bem como não o isenta de sofrer sanções em razão de infrações administrativas enquanto ainda em atividade. Ressalte-se, também, que embora desde 16.12.1998 o autor tivesse direito de se aposentar, este optou por deixar de exercer o referido direito, tendo postergado o pleito de aposentadoria para período posterior, que, de fato, veio a se concretizar através da Resolução n.º 6.087/02 (02.09.2002). Ademais, uma vez consumada a prática de ato infracional na condição de servidor público (em atividade), é manifestamente plausível a instauração de processo administrativo disciplinar, ainda que por ocasião do julgamento o respectivo servidor já tivesse sido agraciado com a aposentadoria’.”

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. DEMISSÃO. NÃO-CABIMENTO. CONVERSÃO DA PENA DISCIPLINAR EM CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. CABIMENTO. SEGURANÇA DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. O impetrante, enquanto servidor da ativa, foi submetido a regular processo disciplinar, que culminou na aplicação de pena de demissão que, posteriormente, foi anulada por incabível, pois, quando de sua publicação, já se encontrava aposentado por invalidez. 2. Diante do fato de que, em tese, já foi devidamente observado o devido processo legal e os princípios da ampla defesa e do contraditório, considerando que as faltas praticadas foram apuradas em processo disciplinar, não há óbice legal para que ocorra a simples conversão da pena de demissão em cassação de aposentadoria. 3. Segurança denegada. Agravo regimental julgado prejudicado (MS 12269/DF, 2006/0211908-7, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ: 14.05.2007).”

“No julgado acima, o Ministro Relator observou que: ‘Com efeito, a finalidade da norma é conferir à Administração o poder-dever de punir quando, após a inativação, tiver ciência de que houve infração disciplinar cometida pelo servidor na ativa. Ocorre que, não existindo distinção quanto aos ilícitos que ensejam a imposição da pena máxima, sua aplicação dependerá, na verdade, da situação do servidor: se ativo, demissão; se inativo, cassação de aposentadoria’ (fls. 858-verso/859-verso).”

“Não ocorreu, portanto, violação a nenhum princípio previdenciário, nem mesmo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.”

“Nessas condições, impõe-se negar provimento ao recurso.”

A sessão de julgamento foi presidida pelo desembargador Paulo Roberto Hapner (com voto), e dela participou o desembargador Leonel Cunha. Ambos acompanharam o voto do relator.

(Apelação Cível n.º 661877-5)

(Fonte: TJ/PR)

 

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