Malandros e vivaldinos

A reação do presidente Lula diante do comportamento dos proprietários de postos de gasolina é compreensível. Afinal, não é todo dia que existe a possibilidade real de baixa -ainda que pequena – dos preços. Eles, que sobem nos supermercados, nos ágios, pedágios, taxas e impostos, se baixam na bomba de gasolina pelo menos uma vez na vida podem gerar efeitos surpreendentes nos consumidores e pontos percentuais no ibope do governo. Daí porque convém a um governante atento tirar o máximo de proveito do caso. Nem que para isso seja necessário um xingamento vulgar, genérico e, por isso mesmo, de pouco efeito prático.

“Não adianta – disse o presidente Lula na segunda-feira, fazendo pose com grandes industriais de açúcar e álcool – os produtores serem sérios e reduzir os preços. Não adianta o governo ser sério e propor a redução de preço, se você tem, na cadeia (comercial), pessoas que acham que são malandras e podem enganar os outros que ninguém vai perceber.” Foi contestado no mesmo dia pela Federação Nacional de Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes – Fecombustíveis. Mas o poder de fogo do Planalto é sempre maior perante a mídia e o que ficou foi o que o presidente disse. Malandros.

À sua época, em tom semelhante, o então presidente Sarney fomentou o surgimento de brigadas anti-remarcação de preços num mercado em desarranjo. Sua popularidade subiu aos píncaros. Em seu nome, um consumidor curitibano até fechou um supermercado sem contestação. O presidente Fernando Henrique Cardoso bisou vitória nas eleições combatendo o dragão do mal inflacionário. Tinha em seu currículo o segredo dos tempos de ministro da Fazenda. Com medo da inflação galopante que a tudo devora, o povo acreditou no preço baixo das coxas de frango. Apesar das crises sucessivas e do apagão, terminou o segundo reinado fazendo as pazes com a oposição, que lhe roubou a sucessão com um discurso em favor do desenvolvimento, da produção e da geração de emprego, contra a preocupação com os mercados e com a especulação.

A campanha e a vitória de Lula coincidiram com um momento de maior desarranjo da economia, dólar e desemprego nas alturas, inflação de volta nos mercados e supermercados apavorados pela incerteza. Discute-se agora acerca da manutenção das altas taxas dos juros – um verdadeiro cavalo-de-pau na economia em processo de visível estagnação, segundo o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Em nome da inflação, ou melhor, do combate à inflação, justificam-se não só os altos juros como a necessidade de superávits de caixa que, por sua vez, embasam a manutenção da CPMF e outros esforços da arrecadação do governo sobre o lombo do contribuinte.

E à falta de argumento melhor, busca-se um bode expiatório exeqüível. Os donos de postos, por exemplo. “No final – e são de novo as palavras do próprio presidente Lula a colorir de verdade o cenário burlesco de nossa economia capengue -termina pobre enganando pobre, pobre explorando o miserável, ou seja, o dono do posto, que não é nenhuma fortuna, explorando o dono de um carro que também não é nenhuma fortuna.”

É bem provável que os malandros e vivaldinos de verdade estejam noutra sala, ganhando com a especulação sobre os valores do dólar, ações e comissões que não geram empregos. Outros preferem contabilizar recordes na arrecadação de tributos que pagam os altos salários de servidores da República. Diz a Fecombustíveis que a redução do preço da gasolina foi de 6,5%, descontados os impostos, o que significa, na prática, repasse de 5,2% ao consumidor. Mas, como ontem, continua mais fácil bater, nem que seja por pouca coisa, sobre a raia miúda que trabalha, emprega e presta serviços neste País de Cabral e todos nós.

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