Falando para o bolso

As propostas que o presidente Lula anuncia que vai defender na reunião ampliada do G-8 (o grupo de líderes dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia) podem servir apenas à economia e à política internas do Brasil. Antecipando-se aos fatos do próximo domingo, a imprensa internacional já anunciou o clima em Bruxelas: todos ouviram falar na proposta de criação de um Fome Zero mundial, pronunciada pela primeira vez em janeiro último, no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Mas não passou disso. E qualquer projeto, para ter o aval da Comissão Européia, precisa ser discutido antes nos grupos de trabalho da instituição que, até agora, nada receberam do Brasil para subsidiar os debates.

Lula vai participar das reuniões prévias do encontro do G-8 a convite do governo francês, ao lado de representantes dos governos da Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão e a sempre convidada Rússia. Levará, conforme anuncia aos quatro ventos, a proposta de criação de dois fundos internacionais de investimentos: um para combater a fome mundial, a espelho do seu Fome Zero nacional, outro para a integração e infra-estrutura na América Latina. Do primeiro, já se ouviu falar o suficiente, pelo menos por aqui.

A novidade está com a segunda proposta, que Lula coloca em primeiríssimo lugar, antes mesmo dos debates sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas – a Alca. Esse imaginado fundo para a integração e infra-estrutura na América Latina decorre da constatação de que não é possível fazer a integração entre países tão pobres, onde faltam estradas, pontes e aviões. “Em alguns casos – disse Lula a jornalistas estrangeiros na última terça-feira – nossos países são separados por um rio com 150 metros de largura e tudo que é necessário é uma ponte para nos unirmos.” Sem união não acontecerá, nunca, a sonhada integração.

As duas idéias – repetimos – são boas e perfeitamente defensáveis, em que pese a questão da fome já ser objeto da ação de organismos muito bem estruturados como a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, de antiga atividade e de reconhecidos méritos, com sede em Roma e tentáculos em quase todo o mundo. No combate a um dos principais flagelos da humanidade nunca se deve desprezar uma idéia, uma ajuda, um gesto. Mesmo que o Fome Zero tupiniquim tenha encalhado na malha burocrática de uma execução atabalhoada e sem muita clareza, um Fome Zero mundial renovaria para o mundo inteiro uma idéia que deve ser perseguida custe o que custar.

Para que seja aceita para análise, entretanto, a idéia de Lula precisa ser reduzida a projeto. Sem isso, a Comissão Européia não levará a sério nem dará importância a proposta alguma. A assessoria do Presidente – e existem assessores para tudo lá em Brasília – já deveria ter tomado a iniciativa de desenvolver um bem detalhado projeto ou programa que, submetido aos técnicos, respaldasse a expectativa política criada pelo discurso novo do ex-metalúrgico e sindicalista que chegou a impressionar lideranças mundiais. Bravatas como as cometidas no discurso de posse, quando foi anunciada a prioridade número um do governo que se instalava no Brasil, mas sem detalhamento de começo nem fim (nem ao menos conta bancária para receber os primeiros cheques em doação), podem impressionar apenas nossa gente, sempre cordata e esperançosa. Lá fora, elas podem, no máximo, ter paralelo com alguém que fica falando para o próprio bolso.

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