Investimento em produção deve ser o menor desde 2005

O encolhimento expressivo das linhas de crédito dos bancos às empresas e a queda brutal da demanda agregada são os principais fatores que estão levando muitas companhias a adiarem ou suspenderem bilhões de reais de investimentos no Brasil.

Economistas de mercado, empresários e acadêmicos ouvidos pela Agência Estado ponderam que nesta conjuntura a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) deverá registrar uma expansão ao redor de 3% neste ano, o menor crescimento desde 2005. Para ilustrar o tamanho da desaceleração prevista, dados do IBGE mostram que os investimentos em produção avançaram 19,7% na comparação dos terceiros trimestres de 2007 com 2008. Para o ano fechado de 2008, as projeções são de uma alta de 13%. Segundo os analistas, para 2010, a retomada do consumo interno e dos financiamentos pelos bancos devem estimular novamente o incremento da FBCF, para algo entre 5% e 10%.

Um dos casos emblemáticos de cancelamento de investimentos foi a decisão anunciada na semana passada, quando a Vale e a estatal chinesa Baosteel decidiram liquidar o projeto siderúrgico do Pólo de Anchieta, no Espírito Santo, onde seria implantada uma usina integrada de produção de placas de aço. O empreendimento envolveria o desembolso de US$ 5 bilhões e criaria três mil empregos diretos. Segundo a Vale, a crise econômica global, que provocou a um forte declínio da produção de aço, levou a Baosteel a propor o cancelamento do complexo e a liquidação da Companhia Siderúrgica de Vitória (CSV).

Em função da redução drástica do consumo mundial, a Aracruz decidiu adiar investimentos de US$ 900 milhões neste ano, o que provocou a suspensão temporária do dispêndio de recursos em três projetos. Um deles é o aumento da capacidade produtiva da fábrica de celulose em Guaiba, Rio Grande do Sul, que subiria de 1,3 milhão para 1,8 milhão de toneladas por ano. Também foram postergados dois programas de formação de florestas de eucalipto, um deles relacionado à Veracel, na Bahia, e um outro que seria implementado em Minas Gerais.

Depois de ter registrado um passivo de US$ 2,1 bilhões com bancos por causa de operações de derivativos de câmbio realizadas no final do ano passado, a Aracruz fechou um acordo com as instituições financeiras nesta semana. Logo em seguida, foi anunciada a compra da companhia pela VCP, em associação com a BNDESPar, braço de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Projetos adiados

De acordo com o diretor técnico da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Antônio de Pádua Rodrigues, o drástico encolhimento das linhas de crédito às empresas do setor deve provocar o adiamento de vários projetos neste ano, cujo montante total deve ficar próximo a US$ 4 bilhões. Segundo ele, esta postergação não permitirá a criação de cerca de 8.500 postos de trabalho. Na sua avaliação, a escassez de financiamentos pode prejudicar de forma expressiva a safra deste ano, que deve ser colhida a partir do final de março até novembro. “Há um problema de funding muito sério no mercado financeiro para a colheita da cana pelas companhias do setor, que para ser sanado deve requerer uma soma próxima a R$ 10 bilhões”, comentou.

A decisão de dezenas de empresas de todos os tamanhos de adiar investimentos no País em 2009 está prejudicando as vendas de máquinas e equipamentos. Para o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Nogueira, os efeitos da crise devem repercutir na queda de R$ 17 bilhões do faturamento do setor este ano, que em 2008 chegou a R$ 85 bilhões. “O setor passa por uma turbulência muito grave. Um termômetro disso é que até outubro registramos 24 meses seguidos de contratações. Porém, em novembro e dezembro, o quadro piorou muito e foram registradas perto de cinco mil demissões no total, 2% da mão de obra de 250 mil pessoas”, comentou.

Segundo Nogueira, como muitas empresas de diversos segmentos apresentam estoques elevados, entre elas as indústrias de automóveis, as dispensas devem continuar em janeiro e registrar um corte de pelo menos mais cinco mil empregos. O vice-presidente da Abimaq relata que a situação do crédito está muito ruim, o que está provocando uma onda de demissões pulverizadas por todo o setor que não tem visibilidade nos jornais, pois três quartos das empresas que atuam no ramo são pequenas ou médias. “Os juros cobrados pelos bancos estão muito elevados. Se uma empresa precisar fazer o desconto de duplicatas para ter recursos de capital de giro terá que pagar 3,25% de juros ao mês”, comentou. O valor representa uma taxa de 46,7% ao ano, nível 3,6 vezes maior que a Selic.

Sem interferência

As indústrias químicas compõem um dos poucos setores que não registraram a postergação de investimentos neste ano. De acordo com Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente executivo da Abiquim, entidade nacional que representa as empresas que atuam neste segmento, não ocorreram alterações relevantes no cronograma dos US$ 3,86 bilhões que deverão ser aplicados pelas companhias que atuam no País em 2009. Ele explica que o setor atua com um horizonte de planejamento muito longo, que não leva em consideração movimentos temporários de retração do mercado.

De 2007 a 2013, as companhias químicas têm programado o investimento total de US$ 22 bilhões, montante que não foi alterado por causa da crise. “Pode ser que uma parte bem pequena de alguns projetos que estão em estudo seja adiada”, disse Reis. “As empresas olham o longo prazo e avaliam que nos próximos anos o País tem boas perspectivas de crescimento, num ambiente político de plena estabilidade”, afirmou.

Segundo ele, a crise deve reduzir em 3% o volume de produtos fabricados pelo setor neste ano ante 2008, mas para 2010 há um cenário de expansão de 5%. Essa recuperação embute a expectativa de que o PIB deve registrar um avanço maior do que em 2009. O superintendente da área de Pesquisa Econômica do BNDES, Ernani Torres, trabalha com a hipótese de que o Brasil deve crescer 3% neste ano e entre 3,5% e 4% em 2010.