Com a volta da inflação, renegociar é necessidade

Rio

  – Com a inflação ao consumidor em dois dígitos pela primeira vez em sete anos, negociar virou a palavra de ordem. Na indústria, no comércio, no mercado imobiliário, nas relações trabalhistas, não há decisões sem choro. De acordo com estimativas da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), hoje as renegociações são da ordem de 25%, mas podem chegar a até 40% nos próximos meses.

? O caminho é a renegociação dos contratos indexados ao Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M). É impossível fazer o repasse integral e manter o imóvel alugado ? diz César Thomé, presidente da Abadi.

Os números do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) comprovam a tendência. Eles mostram que, em 2002, os aluguéis subiram apenas 0,05%. No mesmo período, a inflação medida pelo IGP-M ficou em 20,78%.

A renegociação também deve bater à porta das construtoras, cujos contratos são reajustados pelo IGP-M. Segundo Ivan Wrobel, vice-presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), a expectativa é de que a renegociação fique em torno de 5%.

? Sempre há margem de negociação. Não podemos deixar crescer a inadimplência nem perder a venda de um bom imóvel porque o comprador está com menor poder aquisitivo.

A queda real no rendimento dos trabalhadores pelo quinto ano consecutivo força a pechincha dos consumidores nas lojas e entre os prestadores de serviços. Não é à toa que os autônomos apresentam perda de renda maior que as demais categorias.

No Rio, por exemplo, de janeiro a setembro (último dado disponível no IBGE), eles perderam 7,5% além da inflação, mais que o dobro do recuo observado na renda dos assalariados com carteira assinada.

? O desemprego alto, a perda de renda real dos com carteira, o crescimento do emprego informal e o menor ritmo econômico contribuem para a queda mais acentuada do rendimento dos conta-própria. Pode estar havendo uma certa contenção de despesas por parte dos consumidores, e isso afeta a renda dos autônomos ? diz Shyrlene Ramos de Souza, técnica do Departamento de Emprego e Rendimento do IBGE.

O aumento da inflação prejudica especialmente os mais pobres. Não apenas pela conhecida falta de oportunidade de aplicar recursos, mas porque nos últimos meses os alimentos foram os item que mais pressionou o índices de preços. Até novembro, segundo o IBGE, enquanto o IPCA (que mede a inflação para quem ganha até 40 salários mínimos) subiu 10,22%, o INPC (que se refere a famílias com renda de até oito mínimos) alcançou 11,72%.

A negociação entre patrões e empregados deve render confrontos intensos nos próximos meses, prevê o economista Wilson Amorim, coordenador técnico do Die-ese. De um lado, trabalhadores reivindicando correções salariais para compensar a inflação passada. De outro, empresários preocupados em evitar um aumento de custos além da conta.

No primeiro semestre, das 248 negociações salariais registradas pelo Dieese, 146 resultaram em reajustes iguais ou superiores ao INPC. O levantamento do segundo semestre não está pronto, mas Amorim não espera que as categorias sejam bem-sucedidas.

? Metalúrgicos, bancários, petroleiros e químicos conseguiram, no máximo, zerar suas perdas. Categorias mais fracas não devem ter reajustes equivalentes à inflação. A elevação dos preços até justifica a reivindicação de maiores salários, mas o desemprego também está num nível altíssimo. A perspectiva de perder o emprego dificulta a negociação.

Se confirmada, a tendência desarma o grande temor dos economistas em relação ao aumento da inflação: a reindexação. Há categorias que já falam em incluir gatilhos salariais em seus acordos coletivos. Mas não só a lei que regulamentou o Plano Real proíbe essa prática como também as grandes centrais sindicais do país, como CUT e Força Sindical, têm rejeitado a idéia.

Indústria x varejo

A ebulição do dólar esquentou o clima das negociações entre varejistas e indústrias este ano. No setor de eletroeletrônicos e supermercados, as encomendas foram adiadas para até novembro e, enfrentando a retração das vendas, os dois lados tiveram que ajustar os aumentos. Os fabricantes de eletrodomésticos chegaram a apresentar reajustes de até 30% nas tabelas. No acerto de compras, os índices baixaram para de 10% a 18%.

As grandes redes, como o Ponto Frio, apostam que este Natal será melhor que o de 2001, marcado pelo racionamento. A rede reforçou o estoque para o fim do ano. Desfrutando do aumento da capacidade de armazenagem com os dois novos centros de distribuição, a empresa barganhou descontos comprando volumes.

? Teremos preços menores porque negociamos muito para reduzir o impacto do dólar ? afirmou Marize Araújo, diretora de vendas da rede.

A Tele-Rio-Rio também acredita num movimento melhor e investe no crediário em seis vezes sem juros, sobretudo nos produtos de verão: ventiladores e ar-condicionado.

? O dólar pesou para a indústria, mas o cliente está com o poder aquisitivo achatado. Por isto, repassamos aos poucos ? diz o gerente de marketing da rede, Mário Arruda.

Nas lojas, o consumidor está cada vez mais consciente da necessidade de pesquisa e da pechincha. Os que podem pagar à vista não levam sem barganhar descontos.

Nas conversas com os vendedores, os preços à vista chegam a cair até 10%. Um exemplo é o da TV Philips 29″, oferecida por R$ 1.854 ou em seis parcelas sem juros, que caiu para R$ 1.668 na negociação feita pela professora Lenira Silveira numa loja do Centro.

O analista de marketing Júlio Brant também barganhou e levou um aparelho de ar de R$ 719 por R$ 670 na Leroy Merlin.

? O dinheiro no bolso aumenta o poder de barganha. O preço à vista embute juros, dando às lojas margem para negociar. Basta insistir.

Nos supermercados, as negociações foram bem mais duras até outubro. Algumas redes cortaram marcas e compraram de empresas menores. Segundo Nelson Sendas, vice-presidente do grupo Sendas, o clima agora está mais ameno e algumas indústrias voltaram a oferecer descontos.

? Já compramos refrigerantes e até artigos de higiene e limpeza com abatimento.

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