Argentina vai “endurecer” relações com o Brasil

Buenos Aires (AE) – A Argentina endurecerá sua postura nas relações comerciais com o Brasil. Este foi o recado que o ministro da Economia, Roberto Lavagna, transmitiu pessoalmente aos mais poderosos empresários argentinos. Em uma reunião com a nata industrial local, Lavagna confirmou que encaminhou ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma bateria de propostas com as quais pretende “corrigir” eventuais distorções no intercâmbio comercial entre os países do Mercosul.

Entre as medidas permanentes que a Argentina pretende que o Brasil aceite estão a aplicação de cotas, salvaguardas ou outras medidas de restrição para o caso de “desajustes estruturais” em um país-sócio do Mercosul. Esse seria o caso de eventuais desvalorizações monetárias, que poderiam aumentar a competitividade dos produtos de um país em outro. Como exemplo, os argentinos citam o suposto aumento da competitividade que os produtos brasileiros tiveram no mercado deste país após a desvalorização do real em janeiro de 1999 (apesar disso, os argentinos se esquivam de comentar os efeitos que a megadesvalorização do peso, no início de 2002, teve nas vendas deste país para o mercado brasileiro).

Oura medida é a criação de mecanismos que evitem “desajustes setoriais”. Esses mecanismos levariam em conta os desequilíbrios circunstanciais que fossem registrados em setores específicos em conflito.

Além disso, o governo do presidente Néstor Kirchner pretende que o Brasil aceite a implementação de “políticas de equalização”. Ou seja, que empresas instaladas dos dois lados da fronteira desenvolvam as filiais de ambos lados de forma “integrada e harmônica”.

Lavagna também pretende que as multinacionais que se instalem nos países do Mercosul não concentrem seus investimentos no Brasil, o maior mercado da região (tal como aconteceu com as montadoras de automóveis). Além disso, o ministro quer que as empresas estrangeiras já instaladas não aproveitem vantagens tributárias no país vizinho e fechem suas portas em um país para “pular” a fronteira e mudar-se para o outro.

De quebra, Lavagna considera que o Brasil terá de aceitar a aplicação de um mecanismo que leve em conta qual a defasagem cambial que poderá ser permitida sem que isso implique em restrições alfandegárias. A idéia é determinar qual será a porcentagem de “distorção” entre moedas do Mercosul, como o peso e o real, “aceitável”, de forma a evitar “desequilíbrios” comerciais.

Essas espinhosas propostas seriam discutidas no dia 24 deste mês, em Buenos Aires, durante a Conferência Industrial organizada pela União Industrial Argentina (UIA). Na lista de convidados, além de empresários brasileiros, também estariam presentes o chanceler argentino Rafael Bielsa e o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Assunção

Às lideranças empresariais argentinas – que junto com os brasileiros formam o Conselho Empresarial do Mercosul – Lavagna disse que o Tratado de Assunção, que deu origem ao bloco do Cone Sul, “não está sendo cumprido integralmente”. Segundo o ministro, o tratado estabelecia a livre circulação de mercadorias e serviços entre os países, uma tarifa externa comum, a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e e harmonização de suas legislações nas áreas correspondentes.

“Queremos que o Brasil cumpra aquilo que ainda não cumpriu”, disse Lavagna aos empresários. O ministro considera que em vez de aplicar a letra do tratado, o bloco preocupou-se apenas “no funcionamento das instituições do Mercosul”. Lavagna sustentou que “o problema do Mercosul não é institucional. O problema central é contar com ferramentas econômicas que assegurem um processo de integração intra-industrial”.

Segundo ele, até que o Tratado de Assunção seja cumprido corretamente, o bloco terá de “aplicar mecanismos para que o Mercosul funcione adequadamente”.

Reclamações não incomodam

“O governo argentino não tem por que se incomodar com os problemas dos empresários brasileiros.” A afirmação – sem papas na língua – foi feita pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna, ao referir-se às recentes reclamações do setor de empresas brasileiras de eletrodomésticos, que protestam contra as medidas de restrição aplicadas a seus produtos pelo governo do presidente Néstor Kirchner desde julho deste ano.

Desta forma, Lavagna retrucou as declarações feitas na semana passada pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Luiz Furlan, de que não aceitaria mais as restrições argentinas. Na ocasião, Furlan disse que empresários brasileiros haviam detectado que as restrições aplicadas pelos argentinos haviam reduzido a entrada de produtos brasileiros, mas ao mesmo tempo haviam permitido que o vácuo deixado pelos eletrodomésticos Made in Brazil fosse ocupado por importações provenientes do México e do Chile. “Já demonstramos (ao Brasil) que essa informação é falsa”, disse Lavagna, categórico.

Os televisores produzidos na Zona Franca de Manaus sofrem uma tarifa alfandegária de 21,5%; os fogões e geladeiras estão limitados a uma cota, enquanto as máquinas de lavar roupa são alvo de licenças não-automáticas (barreiras burocráticas que demoram a entrar no país e desestimulam os importadores).

Outros dois setores estão na mira da nova onda protecionista da Argentina: Têxteis e calçados. Ambos pedem medidas que reduzam drasticamente as importações de produtos Made in Brazil.

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