Direitos e perfumarias

Se a demissão do ex-ministro Miguel Reale Júnior provocou um quase ciclone no governo, obrigando o presidente da República a publicar longa e detalhada carta para livrar o governo de suspeitas impertinentes, serviu também para dizer o quanto se enrosca o Planalto para tomar decisões aparentemente simples, mas importantes. A criação da força-tarefa, concebida para socorrer a cidadania carioca contra o mundo do crime, foi publicada no Diário Oficial dois meses depois de anunciada. Isso mostra outra face da nossa realidade: em dois meses de vacilações oficiais, bandidos, facínoras, quadrilheiros traficantes e contrabandistas fizeram a festa.

Se o presidente FHC foi traído ou não por Reale Júnior, como disse na longa missiva, isso pouco interessa já, depois que também o ex-ministro saiu alegando traição. Também constitui matéria de economia interna do governo a complicação em que se meteu o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que teria “praticamente ditado” os termos da resolução do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), segundo confirma o secretário de Estado dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro. A intervenção federal sobre o Espírito Santo foi, de fato, solicitada, discutida e desenhada. Idéia abandonada, não houve substituição do desenho. E o lucro, de novo, fica com o mundo do crime.

Esses vai-e-vens servem para confirmar apenas que, faz tempo, um dos calcanhares de Aquiles do governo está na área do Ministério da Justiça, que compreende a Polícia Federal e tudo quanto esta última instituição ainda lembra. Enquanto sobram denúncias de desentendimentos e mal-entendidos no seio da corporação, que alega não receber dinheiro para pagar sequer compromissos assumidos e já cumpridos (como se o governo não fosse um só e o Orçamento o mesmo!), nos presídios fala-se na compra de mísseis através de modernos celulares e nos morros encontram-se bazucas em perfeito estado de uso…

Juram entidades sérias como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) que o Estado, no Espírito Santo, está comprometido e minado pelos comandos do crime organizado. Incluem nisso – coisa muito séria – os chefes dos poderes constituídos, que estariam também a gargalhar dos direitos humanos. Um órgão do governo da União, o CDDPH, que é constituído e pago para tratar da matéria, reúne-se, estuda, discute e delibera. Trabalha para nada. De duas, uma: não é levado a sério porque deve ser visto como um departamento de perfumaria, ou deve ser desmontado pois para nada serve. Antes, já que avoca para sua área trabalho tão ingente e sério, atrapalha o governo na necessária e urgente tomada de decisões.

É disso, aliás, que deve tratar o Planalto. Que o debate sobre o ministro entrante e o retirante, se foi “a” ou “b” quem mudou de idéia e coisas do gênero não sirvam como outro biombo a esconder o verdadeiro cerne da questão, o real problema: há que existir uma firme, resoluta, urgente e definitiva resposta dos poderes constituídos às ações, cada vez mais ousadas, do poder paralelo exercido pelos comandos do crime organizado. Ele existe, está ativo e cuida de coisas bem específicas. Mais que o governo constituído, atendo demais às perfumarias.

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