Freira atropelada, colisões em cruzamentos importantes da cidade e até um ônibus partido ao meio por um trem e carro invadindo a canaleta na contramão. Todos esses acidentes, noticiados somente neste ano pela Tribuna, envolvem ônibus biarticulados. Segundo dados da Urbanização Curitiba (Urbs), Curitiba registra, em média, um acidente em canaleta de ônibus a cada 32 horas.
No primeiro semestre de 2025, foram registrados 134 acidentes envolvendo ciclistas, pedestres, carros e motos nas canaletas. O número representa uma redução de 30% em relação ao mesmo período de 2024, quando ocorreram 192 casos. Apesar da queda, a proporção de acidentes em vias exclusivas cresceu em relação ao total registrado envolvendo ônibus.
De janeiro a junho deste ano, Curitiba somou 483 acidentes com ônibus. No mesmo período de 2024, foram 781. Embora tenha havido redução, a parcela de ocorrências em canaletas passou de 24,6% para 27,7%. Isso significa que, atualmente, um em cada 3,6 acidentes com ônibus acontece nesses corredores exclusivos.




Modelo ultrapassado?
Em comparações internacionais, Curitiba aparece bem posicionada em índices de segurança viária. No cenário nacional, também se mantém em vantagem frente a outras capitais. Já quando comparada às cidades vizinhas da Região Metropolitana, a capital registra números mais elevados.
No primeiro semestre de 2025, somando todas as cidades da RMC, exceto Curitiba, ocorreram 490 acidentes envolvendo ônibus, segundo a Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná (Amep). O número fica pouco acima dos registros da capital sozinha. Entre as empresas com mais ocorrências, destacam-se Araucária (100), Santo Ângelo (75), Piraquara (60) e Viação Sul (57).
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e líder do Observatório Nacional de Segurança Viária, Jorge Tiago Bastos, a atenção deve permanecer, mesmo diante de cenários piores em outros locais.
“O transporte público tem inúmeras vantagens considerando os ônibus biarticulados e o sistema de canaletas exclusivas. Sabe-se o quanto isso melhora o tempo de viagem e favorece o aumento de usuários, mas ainda assim, estamos falando de um modo de transporte que é de grande massa se deslocando com velocidades relativas elevadas”, explica.
As canaletas, lembra o especialista, não funcionam de forma isolada. Em vários trechos, há compartilhamento de espaço com pedestres e motoristas, diferentemente de um metrô, que opera em estrutura subterrânea isolada. “Comparativamente, ambos os sistemas têm vantagens e desvantagens”, completa.

Causas dos acidentes
A Urbs aponta múltiplas causas. Entre elas, estão a desatenção de pedestres — muitas vezes pelo uso de celular ou fones de ouvido —, a travessia em locais inadequados, além de práticas proibidas, como caminhar, correr ou pedalar na canaleta e pegar “rabeira” em ônibus.
Para coibir a rabeira, uma lei foi sancionada e aguarda regulamentação. Ela prevê multa equivalente a cem passagens (cerca de R$ 600) e apreensão da bicicleta de quem for flagrado se apoiando na traseira dos veículos. Outra medida adotada foi o “botão da rabeira”, que alerta o Centro de Controle da Urbs e aciona a Guarda Municipal. Também foi criada a Patrulha do Transporte Coletivo para reforçar a fiscalização.
A empresa reforçou, em nota à Tribuna, que as canaletas são exclusivas do transporte coletivo, permitindo apenas a circulação de veículos de emergência, como ambulâncias e viaturas. Caminhadas, pedaladas ou práticas esportivas nesses corredores continuam proibidas e representam risco elevado.
Frota de ônibus e treinamentos
A frota de Curitiba passou pela maior renovação em oito anos, com 741 novos ônibus, segundo a Urbs. Os novos modelos contam com tecnologias de segurança, como redução automática de velocidade em áreas de maior movimento e sistemas de frenagem mais modernos.
A Urbs também mantém programas de capacitação para motoristas, com foco em regras de ultrapassagem, funcionamento de estações-tubo remodeladas e rotinas de segurança. Para o vice-presidente do Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), Rogério Campos, os treinamentos ajudam, mas não resolvem um problema central: o tempo apertado para cumprir itinerários, alvo frequente de pedidos de intervenção do sindicato.
“Em alguns horários, por exemplo, os motoristas têm 25 minutos para sair da Praça Rui Barbosa até o ponto final de alguns bairros. Quando começam obras, eles continuam com o mesmo tempo. O trajeto que faziam em 22 minutos já passa a atrasar. No retorno, pegam o mesmo congestionamento e assim os atrasos se acumulam”, relata.
Segundo ele, a pressão por cumprir horários é sinônimo de estresse e aumenta o risco de acidentes para compensar o tempo curto. “O motorista é cobrado pelo atraso. O fiscal notifica a empresa da linha. Essa notificação vira multa, que a empresa desconta do trabalhador. Ele acaba tendo que pagar por um problema que não criou”, afirma.

Reduzir os acidentes é possível?
Para o especialista Tiago Bastos, uma solução imediata para diminuir o número de acidentes em canaletas seria reduzir a velocidade dos coletivos, associada a campanhas de conscientização e fiscalização. “Campanhas funcionam melhor quando acompanhadas de fiscalização, especialmente ligadas à velocidade”, diz.
Ele cita como exemplo o Projeto de Lei nº 2789/2023, em tramitação no Congresso Nacional. Conhecido como PL das Velocidades Seguras, o texto prevê monitoramento da velocidade média dos veículos em trechos, evitando o hábito de frear apenas em frente a radares.
Outra alternativa seria apostar em novos modelos de transporte. Recentemente, o governador Ratinho Júnior (PSD) anunciou testes na RMC com o DRT, veículo guiado por marcadores magnéticos instalados no asfalto. “Passamos por uma grande inovação no passado, mas precisamos de outra para o futuro. Na engenharia, não defendemos um sistema contra o outro, mas a complementaridade deles”, reforça Bastos.
Para o sindicato de motoristas, o primeiro passo para a redução está na flexibilização dos horários dos motoristas. “Reduzir a velocidade, mas manter o mesmo tempo de trajeto é o famoso ‘a conta não fecha’”, critica Rogério.
A combinação de medidas, segundo ele, poderia trazer equilíbrio. Mais tempo para os motoristas, velocidade reduzida e aumento na oferta de veículos beneficiariam tanto trabalhadores quanto passageiros.
“Se o motorista puder, em vez de completar o trajeto em 30 minutos, percorrê-lo em 40 minutos com velocidade reduzida, contando com o tempo necessário para carregar e descarregar passageiros, acredito que a categoria ficaria satisfeita. E se o passageiro não precisar se preocupar em perder o ônibus por causa do aumento do tempo do trajeto, já que haverá outro veículo disponível, isso seria ideal e mostraria que o transporte coletivo atende bem tanto à categoria quanto à população”, conclui o vice-presidente do Sindimoc.
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