Série Invisíveis

Cracolândia em Curitiba? Situação de rua expõe riscos e traz medo coletivo

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

Nos últimos meses a Tribuna publicou reportagens sobre a situação em que o Centro de Curitiba se encontra: o que já foi uma região repleta de comércios dos mais diversos tipos, agora tem pontos abandonados, com lojas fechadas. Em algumas regiões, empresários desabafaram e disseram que estão cansados de lidar diariamente com a violência.

As questões de violência acabou expondo um medo coletivo. Nas redes sociais, leitores da Tribuna comparam a situação do Centro de Curitiba ao início de um problema muito maior, a transformação de uma região da capital em “Cracolândia”. Em São Paulo, usuários de drogas, a grande maioria moradores de rua, ocupam espaços para consumir e vender drogas livremente.

Existem riscos de Curitiba ter uma cracolândia? Este é o tema da segunda reportagem da série Invisíveis, da Tribuna do Paraná, sobre a população em situação de rua em Curitiba.

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Dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (Sesp/PR) mostram que não houve um aumento expressivo nas ocorrências envolvendo tráfico de drogas no Centro de Curitiba. Em 2021 foram 158 casos; 2022 teve 150 situações e até agosto de 2023 foram 120 ocorrências.

Um padrão parecido é observado nas situações envolvendo uso ou consumo de drogas na região central da capital. Em 2021 foram 442 ocorrências; em 2022 foram 314 e até agosto deste ano são 411.

Diagnóstico sombrio e hostil

A coordenadora dos trabalhos da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua (Pop Rua), a vereadora Maria Leticia (PV) classifica como “pura maldade dizer que Curitiba está virando uma Cracolândia”. Ela concorda que existem alguns pontos na cidade, principalmente na área central, que concentram o uso de drogas nas ruas. Entretanto, para ela, a comparação é um exagero.

“Não dá para dizer que existe Cracolândia, não existe esse descontrole aqui. Até porque temos algumas ações que estão funcionando. Reconheço o esforço de todos os movimentos populares que atendem esse grupo, a própria FAS [Fundação de Ação Social] também”, afirma a vereadora.

Maria Leticia explica que a Frente Parlamentar atua com diversos outros órgãos, como a FAS, a Urbanização de Curitiba (Urbs), a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), para compreender quais são os problemas envolvendo as pessoas em situação de rua e também pensar em soluções benéficas para o grupo.

Entre os planos propostos, um deles é criar um programa que auxilie no combate ao uso de drogas. Apesar de reforçar que é necessário um censo para apontar quem são as pessoas e por qual motivo elas estão nas ruas, a vereadora não acredita que o uso de drogas seja a principal razão.

“Eu não vejo as pessoas em situação de rua como sendo suspeitos de usar drogas. Eu acho que não, eu acho que se vulnerabilizam por diversos fatores. A gente viveu uma situação de desemprego bem complicada no país, isso certamente obrigou algumas famílias a irem para o espaço público. Não consigo dizer qual é o principal indicador e é muito difícil a gente falar sobre isso sem ter uma pesquisa real”, relata.

O sociólogo, doutor em Ciências Sociais e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cezar Bueno de Lima compreende o termo ‘cracolândia’ como um diagnóstico sombrio e hostil. Ele também chama a atenção para que a população reflita se justificar o uso da violência policial é a medida mais certeira quando se trata de pessoas em situação de rua.

“Que as pessoas pensem se isso realmente tem sentido, considerando que somos todos seres humanos e que a primeira forma de lidar com o problema é resolver o problema e não apenas oferecer ou justificar que a prefeitura ou polícia ou Guarda Municipal ofereça uma saída violenta e de negação dos direitos humanos. A gente sabe que esse é o caminho mais curto para o pior e não vai resolver o problema” declara.

Leia a primeira reportagem da Série Invisíveis:
Falta de dados mascara problema urgente em Curitiba; sabe qual é?

“Tem que agradecer a Deus por estar acordado de manhã”, diz homem em situação de rua

Em situação de rua há cerca de um ano, Diego, 36 anos, conta que saiu de casa por conta do vício. “Sou soldador, já trabalhei concursado em prefeitura. Tinha dois carros, uma moto”, relembra.

Sem rotina previamente planejada e vivendo cada dia de uma vez, Diego comenta que geralmente ganha sobras de comida dos restaurantes. “As vezes eu lavo as lixeiras de noite e aí o cara (dono de uma banca) me dá um salgado que sobrou e assim vamos levando”.

Diego segue vivendo os dias e admite que nem sempre é fácil: “tem dias que você chora, tem dias que desanima, tem dias que você tá bem. Cada dia é diferente. Você tem que agradecer a Deus por estar acordado de manhã, que você pode fazer alguma coisa e correr atrás”.

Confira o depoimento completo de Diego na próxima reportagem da série Invisíveis.

Violência contribui para adoecer população

Coordenador nacional do Movimento da População em Situação de Rua do Paraná, Leonildo José Monteiro Filho, afirma que as pessoas que moram na rua precisam conviver com episódios constantes de violência, seja por parte de alguns cidadãos, da polícia ou da própria FAS.

Monteiro tem conhecimento no assunto, pois viveu em situação de rua durante seis anos em Curitiba. Foi esse um dos motivos que o levou a trazer o movimento nacional para a capital, em 2006. Ele relembra que nessa época não havia muitos abrigos em Curitiba, por isso ele viajava até São Paulo para passar o final de ano nos acolhimentos que já existiam lá. No final de 2005 ele conheceu o movimento, que começou em um encontro entre grupos de São Paulo e Minas Gerais.

Depois que retornou para a capital paranaense, Monteiro começou a estruturar o grupo, que só se fortaleceu em 2010.

“É polícia batendo, FAS recolhendo os pertences. Não vou generalizar, mas tem policial que já chegou jogando solda, atirando e fez todo o tipo de maldade com a população em situação de rua. E tudo isso deixa essa população mais doente, com a saúde mais frágil”, afirma.

Ele acredita que muitas pessoas que estão vivendo nas ruas precisam de chances para ter um trabalho e uma moradia. “Tem muita gente que se tivesse oportunidade não estaria na rua”.

Agentes são treinados, afirma Polícia Militar

Em nota, a Polícia Militar do Paraná (PMPR) enfatiza que não há divergência na forma como as abordagens pessoais são conduzidas, independentemente da condição social dos indivíduos envolvidos. “Todas as ações são pautadas pela observância das normas legais e pelos protocolos operacionais
estabelecidos, visando à segurança pública e ao bem-estar da população.”

A PMPR também alega que todos os agentes são treinados para agir dentro da lei. “O uso da força é exclusivamente direcionado às situações em que seja necessário para preservar a ordem pública e proteger a vida, sempre em conformidade com os princípios de proporcionalidade e legalidade.

A Polícia Militar do Paraná reforça seu compromisso em promover uma atuação policial responsável, baseada no respeito aos direitos humanos e na valorização da dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua situação social. Estamos empenhados em manter uma relação transparente com a sociedade, zelando pelo bem-estar de todos os paranaenses”.

Relação da FAS e das pessoas em situação de rua

A FAS em Curitiba é responsável por prestar atendimento às pessoas em situação de rua. No entanto, a relação entre a FAS e esse grupo vulnerável por vezes é alvo de reclamação e até de polêmica. O caso mais recente aconteceu em 18 de agosto, depois que um áudio da presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Maria Alice Erthal, foi replicado nas redes sociais.

No conteúdo, enviado para agentes da FAS, Maria fala sobre o uso de guardas municipais durante as abordagens para dar um ‘susto’ nas pessoas em situação de rua.

Questionada pela Tribuna sobre o preparo das equipes, a FAS alega que os agentes participam periodicamente de capacitações para qualificar os serviços prestados nas ruas.

De acordo com a fundação, de janeiro a agosto de 2023, foram registradas oito ocorrências envolvendo agressões físicas, ameaças e xingamentos às equipes da abordagem social.

“No dia 17 de agosto, um servidor foi xingado e ameaçado de morte por um homem que dormia em um ponto de ônibus da Praça Rui Barbosa. No dia 18 de agosto, uma educadora social foi agarrada pelas costas e ameaçada com um fragmento de vidro, na Praça Tiradentes, por uma mulher em situação de rua. A servidora registrou Boletim de Ocorrência. No dia 19 de agosto, uma equipe do programa Anjos da Guarda teve o carro golpeado fortemente com uma clave de malabarismo por uma mulher que gritava agressivamente com a filha de 2 anos”, afirma nota.

A FAS também se manifestou sobre o áudio de Maria Alice e explicou como acontece o trabalho de assistência social. Leia a nota completa:

“Todas as ações da FAS são realizadas com consentimento dos moradores em situação de rua e buscam integrá-los à rede socioassistencial da Prefeitura de Curitiba, assegurando direitos, reintegração social e familiar.

Em algumas situações, a presença da Guarda Municipal é imprescindível para garantir a segurança das equipes de abordagem social da FAS que trabalham 24 horas por dia e todos os dias da semana. O apoio é necessário porque situações de ameaça e agressões são comuns do dia a dia das equipes.

Em correspondência recente enviada ao Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), a presidente da FAS, Maria Alice Erthal, se manifestou em relação ao áudio compartilhado no dia 18 de agosto, em um grupo de rede social. Ela pediu desculpas e reconheceu o mau uso das palavras ao solicitar que equipes fizessem abordagem social a pessoas em situação de rua em distintos endereços do centro de Curitiba. Ainda reiterou que apenas pediu a presença de integrantes da Guarda Municipal durante as abordagens, visando apenas garantir a segurança dos trabalhadores da FAS.”

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