Trabalho escravo: lista de 65 infratores

Brasília – A nova lista do Ministério do Trabalho contendo nomes dos infratores que exploram o trabalho análogo ao de escravo no País é a terceira e mais volumosa dos levantamentos feitos desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Também conhecida por "lista suja" – é um verdadeiro cadastro dos empregadores que usam mão-de-obra escrava -, a relação inclui 65 infratores, sendo 55 fazendeiros e dez empresas, todos autuados pelas equipes de fiscalização móvel do ministério. A primeira lista, de novembro de 2003, trouxe 52 casos. A segunda, de julho de 2004, apresentou 49 nomes.

As ações de fiscalização são realizadas desde 1995 pelo grupo móvel, formado por fiscais, policiais federais e procuradores. Nos dois últimos anos, foram feitas 65 operações, resultando na libertação de 4.059 trabalhadores que estavam sendo explorados e trabalhando em condições análogas às de escravo, sem receber salários em dia, proibidos de deixar a fazenda, sem direitos trabalhistas e vivendo em condições precárias e degradantes. Mas foi nas autuações incluídas na primeira lista que se registrou o maior número de trabalhadores libertados até agora, cerca de cinco mil.

A partir de outubro de 2004, os produtores rurais flagrados explorando mão-de-obra escrava estão enfrentando dificuldades: o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, assinou uma portaria criando o Cadastro dos Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições semelhantes à de escravo. Os 166 produtores e empresas rurais das três listas estão agora nesse cadastro, o que significa mais dificuldades para obter acesso a recursos públicos, em especial dos fundos constitucionais.

A portaria do ministro estabelece que essas propriedades serão fiscalizadas durante dois anos e, após esse período, se comprovado que não exploram mais o trabalho escravo, têm seus nomes excluídos da relação. A Secretaria de Inspeção do Trabalho, responsável pelos grupos móveis, irá criar uma equipes em 2005, que atuará especificamente na fiscalização das propriedades dos 166 infratores. A empresa Agropecuária Agrovás, do presidente da Assembléia Legislativa do Rio, Jorge Picciani (PMDB), integra a lista por causa de uma fiscalização feita em junho de 2003. Na ocasião, os fiscais flagraram, numa das fazendas do grupo, em São Félix do Araguaia (MT), 39 pessoas trabalhando em condições insalubres e vigiadas por seguranças armados. A empresa foi autuada e pagou R$ 150 mil de dívidas trabalhistas.

Em abril de 2004, Picciani fez um acordo com o Ministério Público do Trabalho e conseguiu que a Justiça extinguisse ação civil pública na qual respondia pelo crime de manter trabalhadores em regime de semi-escravidão.

Na lista, o irmão do PC Farias

Brasília – O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho libertou 99 trabalhadores, em 2002, na fazenda Santa Ana, em Cumaru do Norte, no Pará. A propriedade pertence ao ex-deputado federal Augusto Farias e sua irmã Eleuza Cavalcante Farias, irmãos de Paulo César Farias, ex-tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello. A fazenda aparece pela primeira vez numa lista suja do ministério. Em fevereiro de 2003, a Justiça Federal decretou a prisão dos dois, que chegaram a passar uma noite num batalhão da Polícia Militar, mas foram liberados no dia seguinte com habeas corpus.

A família Mutran, do Pará, está em todas as listas e aparece pela terceira vez consecutiva. Os Mutran são grandes pecuaristas e exportadores de castanha-do-pará. Nessa terceira lista, o grupo figura porque, na fazenda Cabaceira, em Marabá, foram encontrados 41 trabalhadores submetidos ao trabalho escravo, em 2002. A família fez um acordo com o Ministério Público do Trabalho e está pagando a maior multa já aplicada no país por exploração de trabalho escravo: R$ 1,35 milhão, em 18 parcelas. Por causa da prática de trabalho escravo, a Cabaceiras foi a primeira propriedade desapropriada e destinada a reforma agrária por ter o dono descumprido a legislação trabalhista ao explorar esse tipo de mão-de-obra.

Quem aparece também como reincidente é o empresário Constantino de Oliveira, que controla um dos maiores grupos de transporte urbano do país. Ele é pai de Constantino de Oliveira Júnior, presidente da Gol Linhas Aéreas. Na primeira vez, os fiscais resgataram 23 trabalhadores na fazenda Colorado, no Pará. O empresário aparece novamente, agora na terceira lista, acusado de submeter 259 trabalhadores ao trabalho escravo na fazenda Tabuleiro, na Bahia, em 2003. Duas usinas açucareiras do Rio também constam da terceira lista. A Cupim, em Campos e a Barcelos, em São João da Barra.

CNA: lista é inconstitucional

Brasília – A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) está contestando na Justiça a decisão do Ministério do Trabalho de criar o cadastro dos empregadores que usam mão-de-obra escrava. A entidade entrou com uma ação de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) e argumenta que a portaria não dá o direito de defesa aos fazendeiros acusados de explorar o trabalho escravo. A ação está nas mãos do ministro Carlos Ayres Britto.

A portaria prevê a inclusão do nome do infrator no cadastro depois de decisão administrativa e após ser lavrado o auto de infração ao produtor no momento da fiscalização, se for detectado uso do trabalho escravo. Para os dirigentes rurais, esse artigo cerceia a defesa dos proprietários de terras e "faz com que o Ministério do Trabalho seja, ao mesmo tempo, acusador e juiz", afirma nota da CNA.

O deputado Jorge Picciani, por exemplo, afirmou que desconhecia o uso de mão-de-obra escrava na sua propriedade em Mato Grosso e admitiu que errou ao permitir que seu administrador contratasse gatos (agenciador de mão-de-obra rural) para arregimentar os trabalhadores. No acordo com o Ministério Público, o deputado se comprometeu a contratar empregados só com carteira assinada, fazer exames médicos periódicos nos trabalhadores e manter escola na fazenda. Ele disse que pretende transformar a propriedade num exemplo de respeito à legislação trabalhista.

À época em que o Ministério do Trabalho libertou trabalhadores da fazenda Tabuleiro, a assessoria de Constantino de Oliveira divulgou nota afirmando que o empresário cumpria a legislação trabalhista e negou usar trabalho escravo na sua propriedade, na Bahia. A secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho, Ruth Vilela, explicou que a terceira lista apresenta o maior número de casos porque foi dada prioridade na análise desses processos.

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