Aposentadoria do Ministro Sálvio de Figueiredo

O site do Superior Tribunal de Justiça destacou no dia 1.º de fevereiro a aposentadoria do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, juiz por vocação que exerceu todas as funções da carreira.

No ano de 1975, por ocasião do Simpósio de Processo Civil, realizado em Curitiba para analisar os efeitos do primeiro ano de vigência do denominado Código Buzaid, tive a satisfação de conhecer o então juiz de Betim-MG que, com orgulho, dizia ser apenas titular da comarca onde estava sediada a fábrica da Fiat. Contou-me que havia nascido no interior de Minas Gerais, na pequena localidade de Pedra Azul, tendo advogado no Estado da Bahia e atuado como membro do Ministério Público em Minas Gerais.

Após brilhante aprovação em concurso público, ingressou na magistratura de Minas Gerais, permanecendo no interior por 11 anos, onde pôde sentir bem de perto os dramas da vida e conviver com a população humilde das regiões mais pobres, passagem de sua atividade profissional que trouxe inúmeros benefícios à sua formação espiritual, moldando sua personalidade para a difícil tarefa de julgar. Chegando a Belo Horizonte no ano de 1977, decorridos dois anos era promovido ao Tribunal de Alçada, onde atuou até 1984, ocasião em que foi promovido ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. No início de 1989, com a instalação do Superior Tribunal de Justiça, passou a integrar este colegiado superior, tendo exercido no último biênio as funções de Vice-Presidente.

Mas, como a função do magistrado, por força de princípios rígidos, impede que o juiz tome a dianteira nos conflitos de interesses, fazendo com que sua figura permaneça no aguardo da provocação das partes, conforme a consagração do artigo 2.º, do Código de Processo Civil, concluiu o juiz pela necessidade de aprofundar seus conhecimentos, aprimorar a formação científica para transmitir aos mais jovens os estudos sistematizados ao longo do tempo.

No ano de 1972, freqüenta curso de especialização na tradicional Universidade de Lisboa, para logo a seguir, a convite do Departamento de Estado Norte-Americano, desenvolver curso de extensão em universidades americanas. Seu ingresso no magistério superior foi uma conseqüência natural, passando a lecionar Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Minas Gerais e Milton Campos de Belo Horizonte.

Participando de uma escola de estudos denominada Escola Mineira do Direito Processual Civil, que teve como mentor o sempre atual Amílcar de Castro, o professor Sálvio, juntamente com Humberto Theodoro Junior, Jaci de Assis, Edson Prata, Ernane Fidelis dos Santos e outros juristas de largo prestígio nacional, romperam uma tradição quase secular em se manter os estudos sobre essa disciplina apenas em São Paulo. Surgiram, então, dois grandes veículos destinados a mostrar aos estudiosos do direito que as pesquisas realizadas em Minas Gerais a respeito dos temas de processo tinham produzido resultados altamente significativos. Exemplos marcantes, as revistas especializadas de Direito Processual e da Faculdade de Direito de Uberlândia.

No ano de 1976, edita obra didática destinada a esclarecer os princípios acolhidos pelo então novo Código, titulada Inovações e Estudos do Código de Processo Civil. Logo em seguida, a Forense lança seu Código de Processo Civil, de largo sucesso nos meios jurídicos do país, ao lado das adaptações do Manual Elementar de Direito Processual Civil de Lopes da Costa.

A vastíssima obra se completa pelos incontáveis artigos publicados nas revistas especializadas de direito, tais como a Revista Forense, Revista dos Tribunais, Revista Brasileira de Direito Processual e outros veículos de comunicação cultural. Podem ser destacados os estudos a respeito do Procedimento Sumaríssimo e seu aprimoramento, a jurisprudência como fonte do direito e o aprimoramento da magistratura, Considerações sobre o direito norte-americano, A formação e o aperfeiçoamento dos magistrados, O juiz em face do Código de Processo Civil, O Agravo de Instrumento um novo modelo, A ação civil pública e Fraude de Execução, onde o notável mestre analisa com absoluta precisão científica e clareza esses temas.

Quem ler na Revista dos Tribunais n.º 593 o artigo sob o título Agravo de Instrumento um novo modelo, notará que o juiz Sálvio Teixeira, preocupado com as delongas do trâmite processual, tomou a dianteira em elaborar um anteprojeto para introduzir modificações substanciais no recurso de agravo. Ao invés do trâmite cansativo que ocorria desde o ajuizamento até a remessa do instrumento ao 2.º grau de jurisdição, que implicava em até seis meses de espera, a proposta visava imprimir tramitação célere que, em menos de um mês, propiciava o julgamento do recurso pelo tribunal, com a segurança de que a celeridade não desprezava os princípios mentores do direito processual de países democráticos, garantindo às partes, amplamente, o exercício do contraditório. Decorridos alguns anos, como um dos membros da Comissão de Reforma do CPC, o Ministro Sálvio conseguiu ver aprovado o procedimento por ele idealizado, aparelhando o agravo de instrumento como recurso processado diretamente no respectivo órgão recursal.

Mas há um dado que sempre marcou a personalidade do juiz que agora se aposenta, precisamente sua coerência entre a doutrina e o exercício da função judicante. Com efeito, ao tratar da jurisprudência como fonte do direito e o aprimoramento da magistratura (Revista Forense, vol. 279), o Ministro Sálvio ditou a lição no sentido de que ?impõe-se reconhecer a necessidade de uma magistratura adequadamente preparada e atualizada, haja vista que, se ninguém se torna sacerdote do Direito sem grandes esforços, também certo é que a magistratura somente se torna útil à sociedade quando seus juízes se tornam dignos da função em que se investiram, pela conduta, pela vocação e pela cultura?. E como desembargador no Tribunal mineiro, aplicando o direito às situações controvertidas, vemos sua doutrina sempre presente; ao decidir tema envolvendo adoção por estrangeiros, registrou em seu voto a mensagem de Moacir Danilo Rodrigues no sentido de que: ?Nossa consciência não há de permitir que se subtraia a uma criança abandonada, sem esperança, a oportunidade de lhe ser garantido lá fora o direito à vida, à saúde, à instrução e a seu desenvolvimento pleno. Pouco importa que se diga a uma criança ?eu te quero? em português, inglês, francês, ou alemão, porque a linguagem do afeto é universal. A mão que acaricia o rosto de um pequenino, transbordante de carinho, não tem nacionalidade. O sol é sol, a água é água, o leite é leite, o pão é pão, a cama é cama, o lar é lar, em qualquer lugar. Nem há dificuldade de comunicação, de interação, quando se coloca nos lábios e no coração este sentimento quente e nobre que se chama amor.? (Revista Forense, vol. 299/221).

Como se constata, o Ministro Sálvio Teixeira sempre compreendeu que a função de juiz exige implacável disciplina intelectual, cuja sistemática visa a produção do juízo equilibrado sobre os objetos das causas em litígio. Mas, também compreendeu, que o ato de julgar deve ter em consideração os parâmetros humanos das partes litigantes, que estarão sempre a exigir do julgador a mais acurada sensibilidade.

Efetivamente, para exercer uma magistratura prestigiada em todo o país, compreendeu o Ministro Sálvio que a força do juiz deve ser a força que se assenta na razão universal, isto porque, a força que se assenta na razão universal jamais se exerce como força exterior, mas como razão, que é imanente a toda realidade.

Walter Borges Carneiro é advogado em Curitiba, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná.

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