Antes tarde…

Não pergunte ao Brasil o que ele pode fazer por você. Veja o que você pode fazer para o Brasil. O presidente Lula tomou de empréstimo a velha imagem, lembrada num discurso memorável pelo presidente americano John Kennedy, para puxar a orelha dos seus companheiros de partido, todos reunidos num histórico almoço de duas horas e meia na casa do deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Mudou apenas o objeto das atenções: “Antes de vocês ficarem questionando o que o governo precisa fazer para ajudar os deputados, deveriam ver como vocês vão agir para ajudar o governo”.

A peroração fazia parte da preparação da bancada de “companheiros”, coniventes e divergentes, para a grande cena que marcou os 120 dias de governo do PT: o retumbante encaminhamento ao Congresso Nacional das propostas de reformas da Previdência e tributária que abrem o ciclo das reformas. O clima de oba-oba tentou capitalizar também a queda do dólar em relação à moeda brasileira e – embora com menor força do que se imaginava – a queda dos preços da gasolina, do óleo diesel e do querosene. A exceção do gás de cozinha (campeão de reajustes) nesse abaixamento de preços que arrefece a inflação, estrategicamente, não foi comentada, mesmo e apesar de outra bombástica notícia: a descoberta da maior jazida de gás do País no litoral paulista, que amplia nossas reservas em 30%.

Como faziam os velhos generais antes de uma grande e decisiva batalha, o presidente Lula tentou motivar suas falanges para o grande embate. Primeiro falou do sonho. O PT buscou o poder por longas décadas, amargando muitas idas e vindas. Depois procurou fazer ver que o governo, enfim conquistado, é de todos, contentes e dissidentes, áulicos e críticos. “Estamos todos num mesmo barco – disse ele – num oceano cheio de tubarões em volta.” E para completar o drama dos encurralados, a imagem profética de que não há volta: “Se eu fracassar, vamos estar fracassando todos nós e a esquerda não governará este País pelos próximos 50 anos”.

Conta a crônica que nenhum dissidente piou. Ficaram todos quietinhos para ouvir o veredicto final: “Reconheço o direito dos companheiros de falar as bobagens que quiserem. Porém, quando a decisão é tomada pela maioria, todos têm que cumprir. Assim é o PT”. E ponto final. Este é um método democrático e, naturalmente, uma ordem enfática. Em outras palavras, uma ameaça de expulsão dos que não se derem por vencidos, agora pronunciada pelo chefe supremo e líder maior do processo de transformações que aí está.

A comemoração pela iniciativa, que é tida por muitos como o início de um novo sonho brasileiro, não satisfez, entretanto, a todos os companheiros. Alguns, com certeza, não estão no mesmo barco e nem cercados pelos mesmos tubarões. Já depois do histórico encontro, a ala radical do PT repetia: “Foi o governo que mudou de lado, e não nós. Não podemos compactuar com essa mudança que o governo vem operando”. À boca pequena, na direção do partido, já se falava que a senadora Heloísa Helena, por exemplo, será mesmo expulsa da agremiação. Como Catilina, que vá tramar fora dos muros. Depois dela, outros virão.

Assim, tem-se como certo que o reinício dos debates parlamentares pelas reformas que o Partido dos Trabalhadores antes não quis apenas por questão estratégica marca também o início das reformas internas do próprio PT. Para uma ajuda extraordinária, a mão do às vezes aliado Leonel Brizola, ostentando o documento em que Lula se perfilava entre os que exorcizavam a taxação dos inativos e aposentados. Agora pode? Na época, o barco era outro. Embora o oceano encapelado de um Brasil que pede a ajuda de todos fosse o mesmo.

Quae sera tamen (ainda que tarde) – isto é, antes tarde do que nunca.

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