‘Estrada 47’ leva Kikito de melhor filme

E o júri de longas nacionais no 42º Festival de Cinema Brasileiro e Latino claramente rachou. De que outra forma explicar que tenha distribuído os Kikitos das diversas categorias entre quatro filmes – A Despedida, de Marcelo Galvão; Senhores da Guerra, de Tabajara Ruas; Infância, de Domingos Oliveira; e A Luneta do Tempo, de Alceu Valença -, mas na hora de atribuir o Kikito principal, de melhor filme, sacou um quinto da cartola? Estrada 47, de Vicente Ferraz, foi o melhor filme brasileiro em Gramado 2014. Não é um filme ruim, mas anticlimático. Ferraz explicou no debate que, tendo feito oposição à ditadura militar desde garoto, era contra tudo aquilo de que o regime se apossava, como a campanha da FEB, a Força Expedicionária Brasileira, na Itália.

Mal aparelhados e preparados, os soldados de seu pelotão fictício tornam-se, contra tudo e todos, até contra eles mesmos, heróis. Libertam a cidade italiana dos nazistas, mas veem passar os heróis oficiais, os norte-americanos. O Kikito de melhor filme poderá dar visibilidade a Estrada 47, e isso tem de ajudar na discussão de um tema (a FEB) que Sylvio Back abordou de forma satírica em Rádio Auriverde, para indignação dos velhos ex-pracinhas.

O júri atribuiu dois prêmios especiais – para Fernanda Montenegro, que pairou sobre o 42º Festival de Cinema Brasileiro e Latino como a matriarca Dona Mocinha de Infância, e para Senhores da Guerra, adaptado da parte final do romance de José Antônio Severo. Marcelo Galvão foi o indiscutível melhor diretor, Juliana Paes e Nelson Xavier excepcionais (melhores) atriz e ator. A possível ressalva é que Xavier, por sua extraordinária carreira, talvez devesse ter sido honrado com um prêmio especial, como o de Fernanda, o que possibilitaria a subida ao pódio de jovens atores, e alguns deles foram brilhantes.

O outro júri – dos longas latinos – ignorou o vencedor da crítica, o belo El Crítico, de Hernán Guerschuny, preferindo destacar como melhor filme, diretor e ator (Felipe Dieste) o uruguaio El Lugar del Hijo, de Manuel Nieto, já exibido em São Paulo como O Militante. O filme segue o mesmo procedimento estético/narrativo de Jauja, pelo qual o autor argentino foi premiado em Cannes, em maio. Muita gente – entre os críticos, inclusive – reclamou de El Lugar del Hijo, e não sem certa razão. O filme, por interessante que seja, não brilha como Jauja. As chilenas Paulina García – de Glória – e Valentina Muhr dividiram o Kikito de atriz por Las Analfabetas, de Moisés Sepúlveda. Se não fossem elas, o prêmio provavelmente não seria outorgado. Ao contrário dos filmes brasileiros, não havia muitos papéis femininos de destaque nos concorrentes latinos.

Com erros e acertos, foi um bom festival, ou um festival que teve bons filmes – nem todos reconhecidos. A seleção brasileira foi melhor que a latina e a Mostra de Cinema Gaúcho, sem direito a prêmio, mostrou dois grandes filmes (os melhores?) – Dromedário no Asfalto, de Gilson Vargas, e Balões, Lembranças e Recortes de Vida, de Frederico Pinto. A par da diversidade estética, um tema esteve em pauta em todas as seleções, e foi a questão do afeto. Ela se traduziu no mais belo momento do festival, aquele que vai ficar de Gramado 2014. Mesmo se amando, os irmãos de Senhores da Guerra encontraram-se em campos opostos do combate.

Os irmãos Carvalho, não. Vladimir entregou o Prêmio Eduardo Abelin para Walter. O grande fotógrafo e diretor invocou Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços. Diante da imensidão do mar, um garoto, aturdido por tanta e até assustadora beleza, pede ao pai que o ajude a olhar. É o que faz o cinema. É o que fazem diretores de fotografia e autores de filmes. Essa metáfora vai ficar como legado do 42º festival.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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