A América e o monstro

Os americanos mal começaram a festejar a captura do “ás de espadas” Saddam Hussein, e o “inimigo íntimo” Michael Moore, o escritor e cineasta vencedor do Oscar com Tiros em Columbine, trata de acabar com a festa de George W. Bush e companhia.

Numa carta aberta publicada esta semana no seu site na internet (www.michaelmoore.com), ele desmascara o circo armado em torno da prisão de Saddam e aponta os verdadeiros culpados pela criação de ditadores em todo mundo: os próprios americanos. Não satisfeito, ainda convoca a população e lembrar da guerra no Iraque nas próximas eleições, exortando a oposição democrata “a ficar firme para pode retomar o poder e acabar com o pesadelo”. A seguir, a carta traduzida na íntegra, sob o título “Finalmente pegamos o nosso Frankenstein… e ele estava num buraco de aranha!”

“Graças a Deus Saddam está finalmente nas mãos dos americanos! Ele deve ter sentido a nossa falta de verdade. Cara, ele parece que está muito mal! Mas, pelo menos conseguiu um exame dentário de graça. Isso é uma coisa que a maioria dos americanos não consegue.

A América gostava do Saddam. Nós AMÁVAMOS o Saddam. Nós inventamos ele. Nós demos armas para ele. Nós o ajudamos a intoxicar com gás as tropas iranianas. Mas daí ele ferrou tudo. Ele invadiu a ditadura do Kuwait e, ao fazer isso, fez a pior coisa possível, ele ameaçou um ainda MELHOR amigo nosso: a ditadura da Arábia Saudita, e as suas enormes reservas de petróleo. Os Bush e a família real saudita eram e são parceiros econômicos próximos, e Saddam, de volta em 1990, cometeu um grande erro ao chegar próximo demais desses bens valiosos. Daí as coisas foram de mal a pior para o Saddam.

Mas nem sempre foi assim. O Saddam era o nosso bom amigo e aliado. Nós ajudamos o seu regime. Não foi a primeira vez que ajudamos um assassino. Nós gostávamos de brincar de Dr. Frankenstein. Nós criamos muitos monstros, o xá do Irã, Somoza da Nicarágua, Pinochet do Chile e daí nós expressamos ignorância e choque quando eles massacraram pessoas. Nós gostávamos do Saddam porque ele estava disposto a lutar contra o aiatolá. Então garantimos que ele recebesse bilhões de dólares para comprar armas. Armas de destruição em massa. É isso, nós tínhamos essas armas. Nós deveríamos saber, nós demos a ele!

Negócios

Nós permitimos e encorajamos corporações americanas a fazer negócios com o Saddam nos anos 80. Foi assim que conseguiu agentes químicos e biológicos para que pudesse fabricar armas químicas e biológicas. Aqui está a lista de algumas das coisas que nós mandamos para ele (de acordo com um relatório do Senado americano em 1994): Bacillus anthracis, a causa de anthrax; Clostridium botulinum, uma fonte de botulinum toxin; Histoplasma capsulatam, causa de uma doença que ataca os pulmões, cérebro, espinha dorsal, e coração; Brucella melitensis, a bactéria que pode causar danos a importantes órgãos; Clostridium perfringens, uma bactéria altamente tóxica causando doenças sistêmicas e Clostridium tetani, uma substância altamente toxigênica. E aqui estão algumas das corporações americanas que ajudaram o Saddam através dos negócios que fizeram com ele: AT&T, Bechtel, Caterpillar, Dow Chemical, Dupont, Kodak, Hewlett-Packard e IBM”.

Frankensteins fora de controle

“Nós estávamos tão em casa com o querido velho Saddam que decidimos alimentá-lo com imagens de satélites para que ele pudesse localizar onde estavam as tropas iranianas. Nós sabíamos como ele usava a informação, e com certeza, assim que nós enviamos as fotos, ele intoxicou aquelas tropas com gás. E nós ficamos quietos. Porque ele era nosso amigo, e os iranianos eram o “inimigo”. Um ano após ele ter intoxicado os iranianos, nós restabelecemos relações diplomáticas com Saddam!

Algum tempo depois ele intoxicou com gás o seu próprio povo, os curdos. Você acharia que isso nos obrigaria a nos desassociar dele. O Congresso tentou impor sanções econômicas no Saddam, mas a Casa Branca na época Reagan rapidamente rejeitou a idéia, eles não deixariam nada atrapalhar o bom amigo Saddam. Nós tivemos quase que um caso de amor com esse Frankenstein que nós (em parte) criamos.

E, assim como o mítico Frankenstein, Saddam finalmente saiu do nosso controle. Ele não queria mais fazer o que o seu mestre mandava. Saddam precisava ser preso. E agora que foi trazido de volta do além, talvez tenha algo para dizer sobre os seus criadores. Talvez possamos aprender algo interessante. Talvez Don Rumsfeld possa sorrir e cumprimentar o Saddam novamente. Da mesma forma que ele fez quando foi visitá-lo em 1983.

Talvez ele não se encontrasse nessa situação se o Rumsfeld, Bush Senior e companhia não tivessem ficado tão empolgados nos anos 80 com o seu monstro amigo no deserto. Enquanto isso, alguém sabe onde está o cara que matou 3 mil pessoas no dia 11 de setembro? O nosso outro Frankenstein? Talvez ele esteja em um buraco de rato. São tantos os nossos pequenos monstros, com tão pouco tempo para a próxima eleição.

Fiquem firmes, candidatos democratas. Parem de parecer um bando de medrosos. Estes idiotas nos mandaram para a guerra com uma mentira, a matança não vai parar, o mundo árabe nos odeia com todo o coração, e nós vamos pagar por isso com dinheiro dos nossos bolsos daqui a alguns anos. Nada do que aconteceu hoje (ou nos últimos 9 meses) tem nos tornado UM POUQUINHO mais seguros no nosso mundo pós 11/9. Saddam nunca foi uma ameaça à nossa segurança nacional. Somente a nossa vontade de brincar de Dr. Frankenstein nos ameaça”.

A editora W11/Francis, que publicou Stupid White Men – Uma Nação de Idiotas no Brasil, prepara para março o lançamento do livro mais recente de Moore, Cara, Cadê o Meu País?

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