A herança maldita

Walter Penninck Caetano

Em todo o País, novos prefeitos encontraram um quadro desanimador ao assumirem seus cargos. Equipamentos públicos sucateados, serviços básicos comprometidos, salários atrasados e, principalmente, dívidas, muitas dívidas, de curto, médio e longo prazos. É a chamada "herança maldita", em que os novos chefes do executivo não sabem o que fazer para colocar a casa em ordem, sem comprometer os projetos assumidos durante o processo eleitoral.

O caos financeiro em muitas cidades é a prova de que os governantes ainda têm muito a avançar no que diz respeito ao equilíbrio das finanças públicas. Preocupados em encerrar seus mandatos de acordo com as obrigações da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), muitos ex-prefeitos apelaram para malabarismos contábeis, na esperança de se livrar das penalidades previstas na lei.

A manobra mais comum, e que rendeu muita polêmica, foi o cancelamento dos empenhos – despesas assumidas com compras, serviços e obras, mas que ainda não haviam sido pagas. Ao cancelarem os empenhos, a impressão é que as finanças estavam em ordem, pois despesas foram cortadas.

Ledo engano. A lei é clara e os infratores estão sujeitos à perda de direitos políticos e até a reclusão. Pelo artigo 42 da LRF, o administrador não pode, nos dois últimos quadrimestres do seu mandato, contrair despesas que não possam ser pagas integralmente até o fim do seu mandato. O artigo 42 ressalta ainda que essa obrigação inclui despesas cujas parcelas serão pagas no exercício seguinte. Ou seja, realizadas em 2004 e com vencimento em 2005.

Outra manobra para fugir da LRF foi a tentativa de contabilizar em dezembro de 2004 receitas que só chegariam agora em janeiro, como os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Dessa maneira, com uma suposta renda extra, os ex-prefeitos estariam mais aliviados no fechamento de suas contas. Novo engano, pois a lei federal 4.320/64, que regula a organização e a execução do orçamento público, determina a contabilização dos recursos públicos pelo regime de caixa: registro contábil no mesmo dia em que ocorre o depósito do dinheiro nos cofres públicos.

Não adianta querer empurrar a sujeira para baixo do tapete, fazendo manobras fiscais para escapar da responsabilidade fiscal exigida dos administradores públicos. Levantamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) mostra que, dos 644 municípios paulistas, 148 tiveram suas contas rejeitadas nos anos de 2002 e 2003. Ou seja, um em cada quatro municípios paulistas não cumpriu a Lei Fiscal.

Diante disso, cabe aos novos administradores o dever de quebrar esse círculo vicioso verificado em todo fim de mandato e equilibrar suas contas desde o primeiro dia do governo, sem comprometer o pleno funcionamento da máquina pública e o desenvolvimento econômico e social de seus municípios. Mais do que uma obrigação, é uma questão de respeito ao cidadão.

Walter P. Caetano é economista e diretor da Consultoria em Administração Municipal (Conam).