Dia mundial do consumidor: avanços e retrocessos nessas duas décadas da Lei N.º 8.078/90

Oscar Ivan Prux

Mundialmente, em 15 de março é comemorado o dia do consumidor. A escolha surgiu devido à data da mensagem que o Presidente dos Estados Unidos da América, John Fritzgerald Kennedy, enviou ao Congresso daquele país em 1962. Nela foi ressaltada a importância, não somente individual, mas essencialmente social, da proteção dos interesses dos consumidores. A repercussão foi enorme e a partir daí, esses destinatários finais de todo processo produtivo passaram a ser considerados de forma especial, seja nas políticas econômicas, seja sob o aspecto legal. E foi nesse contexto que a partir da aprovação da Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), a referida data atingiu maior relevância no Brasil.

Duas décadas depois daquele momento histórico, já se pode fazer um balanço mais completo dessa trajetória. A começar pela constatação de que o CDC ultrapassou esse período praticamente sem modificações, apesar do país ter se transformado radicalmente, tanto sob o ponto de vista econômico, quanto social (e a mencionada lei foi partícipe decisivo nessa evolução). Ou seja, o CDC realmente aceito e assimilado socialmente como norma de ordem pública e interesse social (vide seu art. 1.º). Vale rememorar que no aspecto legal, não há dúvida de que foi o movimento consumerista que espantou a letargia que pairava sobre o projeto de Código Civil que desde 1975 se arrastava no Congresso Nacional e então acabou sendo aprovado para entrar em vigor em 2002. E isso se deu pela incorporação de novos princípios contratuais trazidos pelo CDC, os quais são mais consetâneos com os tempos pós-modernos, em especial no que tange a influência pioneiramente repercutida da adoção da responsabilidade objetiva (tanto no que refere a proteção contratual, como a extracontratual do consumidor). Ou seja, o CDC apontou um caminho de evolução que acabou sendo seguido pelo Código Civil e por diversos outros diplomas legais do sistema jurídico nacional.

A partir dessa luz lançada com o objetivo de proteger os interesses dos consumidores, emergiram formas melhores de acesso à Justiça, com foco e estímulo na celeridade, tal como nos Juizados Especiais Cíveis que atualmente funcionam em todo o país. Radicalmente, o CDC provocou uma revolução, não apenas no universo jurídico, mas na realidade social, ajudando a impulsionar o país para a condição de um dos emergentes mais importantes do mundo. Do anterior atraso e falta de controle de qualidade dos produtos e serviços (em 1990, comparando com os veículos dos países desenvolvidos, o Presidente do Brasil disse que nossos automóveis não passavam de “carroças”), hoje o consumidor brasileiro tem acesso a produtos e serviços com padrões de avanço idênticos aos melhores vendidos mundialmente.
Não há dúvidas de que existem problemas e carências, tais como, o fato das ações coletivas ainda serem poucas quando poderiam ser melhor aproveitadas, de não se ter um número maior de convenções coletivas de consumo, da falta de aplicação da parte penal do CDC (e, também, de uma maior fiscalização e efetividade das sanções administrativas), da regulação não estar sendo tão eficiente como se esperava (principalmente quanto a setores com grande poder econômico-financeiro ou de maior influência – incluindo a mídia – contumazes em induzir maus hábitos de consumo através de publicidades abusivas, até para menores), dos Juizados Especiais Cíveis aos poucos já estarem ficando mais lentos, da falta de um maior número de associações de consumidores, principalmente as dedicadas a pesquisa e informação quanto aos produtos e serviços vendidos no mercado, etc. Todavia, nessa seara há que se reconhecer que com o advento do CDC, em 20 anos avançamos mais do que nos quase cinco séculos anteriores.

Na média, o balanço final mostra bons resultados, mas ainda temos muito para realizar. Inevitavelmente, o Século XXI precisará ser o do consumo sustentável, mas sob amplo sentido social. Ter-se-á que ir além do consumo ecologicamente correto por conta de que o meio ambiente, sem condições adequadas de recuperação e reposição de recursos, não suporta tanta exploração predatória, lixo e degradação, mas também haver outras preocupações para que, conscientemente, o ato de consumo seja realmente um ato de cidadania. Assim, fornecedores e consumidores terão de estar unidos para que o consumo, dentre outros aspectos: – a) não forneça recursos ou incentive as empresas que injustamente discriminam pessoas, degradam a natureza ou utilizam de mão-de-obra infantil, ou mesmo, em situação análoga a de escravo; – b) não compactue com iniciativas que colocam em risco a saúde ou ridicularizam as pessoas para promover a venda de produtos ou serviços (exemplo: as promoções com prêmios para quem ficar segurando um bem até a exaustão ou para quem comer baratas); – c) não adote práticas que deixem de racionalizar energia; – d) não mostre qualquer tipo de apoio para ações (principalmente publicidades que induzem modismos até imorais) que vão contra hábitos saudáveis ou valores fundamentais da família e da sociedade brasileira (exemplo: tentam incutir em jovens o consumo da nudez, induzem ao vício de ingerir bebidas alcoólicas ou fumar, incentivam vestir e maquiar crianças como pessoas adultas, suprimindo-lhes a vivência da fase psicológica da infância, a dar celular desde a tenra idade, ensinam até a mentir na base do “você deve fazer qualquer coisa para ter o produto tal”, etc.).

Ou seja, em qualquer processo de fabricação, colocação no mercado ou aquisição, sempre dever-se-á ir além do simples desejo e dos aspectos econômicos, mas haver uma tomada de consciência sobre os elementos éticos e morais envolvidos, e isso vai exigir esforço, informação adequada e, principalmente, muita educação para o consumo, acompanhada de responsabilidade e disciplina (e até uma dose de sacrifício para afastas as vontades menos construtivas) por parte de todos. Fornecedores e consumidores, com equilíbrio e harmonia em suas relações de consumo, tal como preconiza o CDC, devem incorporar a consciência quanto ao seu papel fundamental para a duração e qualidade de vida das pessoas, incluindo nesse contexto a preservação dos valores éticos e morais da sociedade brasileira.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.