Elegância é tudo!

Antenor passava por todos parecendo um zumbi, olhando para o nada. A roupa estava suja de tanto trabalhar na borracharia. O patrão não dava uniforme e ele parecia não fazer questão. Caminhava trôpego para casa usando um chinelo gasto.  Não cumprimentava ninguém da rua, embora morasse ali há anos e conhecesse todos os vizinhos.

Mas a antipatia era transitória e com toda certeza proposital. Porque dali a poucos dias o sujeito surgia radiante, falando até com as paredes. Só que agora envergava um traje vistoso: sapato brilhando, calça com friso, blazer e camisa social de abotoar as pontas da gola. Antenor virava outra pessoa, trocava ideia, fazia planos de estudar, cursos disso e daquilo, fazia e acontecia. Mas na semana seguinte, tudo caía por terra e lá estava ele encarando a borracharia e de mal com o mundo de novo.

Antenor não era a única pessoa da face da Terra que não sabia lidar bem com as frustrações, mas com certeza era um dos que mais demonstrava. Luiz Carlos tinha um comportamento semelhante: quando estava entregando encomendas de carne com sua bicicleta cargueira fazia de conta que não via os conhecidos. Era um emprego digno como todos os que derivam de uma atividade honesta, mas não tinha jeito. O rapaz se fechava em copas.

Só que no dia do baile se transformava. Sapato bicolor, branco e vermelho e o terno nas mesmas cores, tudo combinando com gravata vermelha e chapéu branco. Na beca, cumprimentava até o poste, sem disfarçar uma ponta de superioridade que às vezes causava até constrangimento nos amigos.

Nunca entendi este comportamento dúbio, até que numa conversa  um amigo me falou dos ‘sapeurs‘, integrantes da Sape- Sociedade de Ambientadores e de Pessoas Elegantes. Os sapeurs são africanos do Congo e gostam de andar muito bem vestidos, nem que para isso tenham que gastar o último trocado do bolso. O berço do movimento é Brazzaville, capital do Congo, mas eles estão espalhados por vários países do continente africano e é fácil de reconhecê-los.

Vestem-se como dândis. Alguns usam ternos extravagantemente coloridos e outros preferem os tons mais sóbrios. Ao mesmo tempo, procuram resguardar suas tradições culturais e seu passado colonial. Só não abrem mão da elegância: todos os trajes são muito bem cortados, não podem faltar suspensórios, cartolas e chapéus, gravatas de seda, bengalas, charutos, sapatos de couro, cachimbos… Tudo para compor um visual elegante da cabeça aos pés. Muitos deles vão buscar seus trajes em Paris, a meca da moda.

Interessante que numa região de pobreza extrema exista uma cultura preocupada em se vestir bem quando há prioridades muito mais urgentes. É uma questão de ponto de vista. Os sapeurs adotaram este estilo justamente para contrapor ao cenário de pobreza e ao regime político do ditador Mobuto Sese Seko, que tentava impor ao povo que adotasse o modelo da cultura oriental. Os sapeurs fizeram exatamente o contrário: abraçaram a cultura ocidental e o padrão de elegância anglosaxão.

O povão adora quando eles desfilam pelas ruas, cheios de trejeitos. É um acontecimento, porque no fundo todos sonham em se tornar sapeurs. É uma via de duas mãos, porque para os sapeurs também não tem graça andar chique no último e não ter para quem se exibir.

Muito a ver com a situação de Antenor e Luis Carlos. Um belo traje curava todas as feridas das árduas jornadas. Pena que não dava para andar todo dia na estica, fazer o quê! Mas talvez a graça estivesse justamente na transformação. Uma das características dos sapeurs é ser originário da classe baixa, mas com grandes ambições. O bom de sonhar acordado é que você pode escolher o sonho. Fica melhor ainda se estiver usando um belo terno.

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.