Nacionalidade: novas tendências no direito e nas relações internacionais

Cabe a cada Estado determinar por sua legislação, quais são seus nacionais. Essa legislação será aceita por todos os outros Estados, desde que esteja de acordo com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade. [Convenção da Haia sobre Nacionalidade, 1930, artigo 1.o.]

A nacionalidade é uma questão jurídico-política de direito público interno. O próprio direito internacional admite esse entendimento, regulamentando o assunto de forma complementar, apenas para evitar situações problemáticas, como os casos de apatrídia, binacionalidade ou polinacionalidade.

Quanto à aquisição de nacionalidade originária, ou seja, aquela que decorre de um ato involuntário que é o nascimento, existem três sistemas que podem ser adotados pela legislação interna dos países: o jus sanguinis, através do qual o descendente adquire a nacionalidade do seu ascendente; o jus soli, através do qual o indivíduo adquire a nacionalidade do Estado em cujo território ele nasceu; e o sistema misto, que admite as duas formas anteriores. Em relação à nacionalidade derivada, ou seja, aquela decorrente de um ato de vontade da pessoa, que opta por determinada nacionalidade, o exemplo mais comum é a naturalização.

Quanto à perda da nacionalidade, os Estados também tem competência interna exclusiva para legislar e aplicar sua legislação, que normalmente prevê a perda da sua nacionalidade quando houver aquisição de outra, ou quando houver cancelamento, por sentença judicial, da naturalização anteriormente concedida.

O tema da nacionalidade é muito importante devido aos efeitos que ela produz, principalmente para o Direito: um Estado exerce sua jurisdição em determinado território e sobre seus nacionais. Do mesmo modo, a nacionalidade do indivíduo é relevante para efeitos de proteção diplomática; quando ele se encontra num Estado estrangeiro; quando está num território sem jurisdição nacional, como o alto-mar e Antártida. Além disso, não se pode olvidar que também a pessoas jurídicas, as embarcações, aeronaves e os objetos espaciais possuem nacionalidade.

O que se percebe atualmente são grandes mudanças em torno desse assunto. A primeira transformação notória está acontecendo na União Européia, onde se fala no caminho para uma “supranacionalidade”, haja vista que os cidadãos europeus, apesar de não perderem suas nacionalidades originárias, praticam atos e recebem tratamentos dignos de uma nacionalidade própria, relacionada especificamente ao processo de integração a que estão submetidos. Nesse sentido, todo europeu pode votar ou se candidatar para o Parlamento Europeu – justamente o órgão que representa os povos da região. Ademais, o cidadão europeu deve receber proteção diplomática no exterior, por parte de qualquer Estado que componha a União Européia, sempre que seu próprio país não tiver representação diplomática ou consular no território desse Estado estrangeiro em que se encontra.

Além da questão européia, a nacionalidade também está sendo discutida no âmbito das relações internacionais Norte-Sul. O critério do jus sanguinis era geralmente adotado por países de grandes correntes emigratórias no século passado, que tentavam manter sua nacionalidade inclusive para pessoas nascidas nos países a que se destinavam, descentes de nacionais seus. O jus soli, por sua vez, era adotado por países que recebiam tais imigrantes, com a intenção de conceder sua nacionalidade para todos os nascidos em seu território, ainda que de pais estrangeiros, formando uma nova comunidade baseada na idéia de povoamento.

Devido às constantes crises econômicas nesses últimos países, normalmente países em desenvolvimento, verificou-se um processo inverso a partir da década de 80, quando parte de sua população passou a tentar emigrar para os países desenvolvidos, a fim de buscar novas oportunidades e melhoria na qualidade de vida. No entanto, o que encontraram foram inúmeras dificuldades tendo em vista que os governos daqueles países iniciaram um processo não só para dificultar a entrada de estrangeiros em suas fronteiras, mas também de mudança nos critérios de concessão de suas nacionalidades, restringindo muito a utilização do critério do jus sanguinis. Concluímos com a exposição de HABERMAS, que denuncia essa situação e demonstra uma verdadeira desconsideração do passado, principalmente por parte dos europeus, que anteriormente haviam sido tão bem recebidos no exterior, onde prosperaram:

(…) pode-se mencionar que os europeus no período entre 1800 e 1960 participaram de forma desproporcional (com cerca de 80%) dos movimentos migratórios intercontinentais. E tiraram proveito disso: em comparação com outros migrantes e em relação aos compatriotas não emigrados, melhoraram suas condições de vida. Ao mesmo tempo, esse êxodo ocorrido durante o século XIX e início do século XX foi tão decisivo para a melhora da situação econômica nos países de origem dos imigrantes, quanto a imigração em direção inversa, que ocorreu rumo à Europa no tempo da reconstrução, após a Segunda Guerra Mundial. A Europa, tanto de uma forma quanto de outra, foi beneficiária desses fluxos migratórios.

Essas e outras razões semelhantes certamente ainda não bastam para justificar a garantia de um direito individual à imigração, que seja legítimo e que possa ser cobrado por ação judicial: contudo, elas provavelmente justificam o comprometimento moral com uma política liberal de imigração que abra a própria sociedade para imigrantes e oriente o fluxo imigratório na medida em que existam capacidades disponíveis. (HABERMAS, J. A luta por reconhecimento no Estado democrático de direito. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. Tradução George Sperber e Paulo Astor Soethe [UFPR]. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 260-261)

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Privado da UFPR e Direito Internacional Público das FIC.

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