Vale aplausos ao BNDES

A história registrará com louvor a patriótica decisão do governo Lula, através do BNDES, de adquirir do Investvale Clube de Empregados 8,5% do capital social da Valepar, garantindo mais um lugar no Conselho de Administração, salvaguardando o controle acionário de brasileiros na Companhia Vale do Rio Doce e contribuindo para direcionar a atuação da empresa e a formulação de seus planos estratégicos, em consonância com os interesses de desenvolvimento do país.

A sorte está lançada e o governo Lula dá mais um salto para antecipar a transformação do Brasil em potência mundial, ao lado da China, Índia e Rússia (após o governo Vladimir Putin), grandes nações emergentes que estão praticando políticas nacionalistas com visão macro.

O Japão, por enquanto a 2.ª economia mundial, também dá provas de apoio e ao mesmo tempo monitoramento dos seus poderosos conglomerados econômicos, alguns ex-estatais, cujo estilo de ação se confunde com a do próprio Poder Executivo nipônico, sendo proibido sequer pensar em desnacionalização.

O governo brasileiro gastou muito dinheiro e despendeu descomunal esforço de criatividade e perseverança para que a Companhia Vale do Rio Doce assumisse a posição de maior produtora e exportadora de minério de ferro do mundo e em nossa principal geradora líquida de divisas.

Quando foi (mal) privatizada em 6 de maio de 1997, a “Vale”, que nasceu em Minas Gerais, já tinha desenvolvido dois “sistemas integrados” de extração de minérios, ferrovias e terminais marítimos/portos de escoamento. O Sul, abrangendo Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, e o Norte, explorando a maior província mineral do mundo na Serra dos Carajás (Pará), com reservas de minério de ferro para 400 anos de extração.

A “Vale” estatal construiu formidável rede logística, com as modernas ferrovias “Carajás -porto de Itaqui”, no Maranhão, e “Minas – porto de Vitória”, no Espírito Santo. Ela deu ênfase à pesquisa, valorizando o trabalho da subsidiária Docegeo. Celebrou várias joint-ventures com multinacionais, mas sempre majoritária. Os acionistas recebiam tratamento especial, tanto assim que a Bovespa lhe outorgou em 1994 (3 anos antes da privatização) o Prêmio Mauá, como a sociedade de capital aberto mais transparente .

A “Vale” não pode desvencilhar-se do fato de ter sido realizada pelo povo brasileiro (estatal de 1941 a maio/1997), mediante ação de todos os Presidentes da República, de Getúlio Vargas a Itamar Franco. Ela tem que abranger sua área de atuação em pesquisa e lavra de minérios à amplitude continental de nosso território. Assim, não há cabimento como frequentemente afirmam o Presidente e o Diretor de Planejamento e Gestão da ex-estatal “desenvolver pesquisas de cobre no Peru e em diversos lugares do mundo, com interesse maior em cobre, manganês, bauxita e níquel”. Dizem outrossim: “precisamos fazer aquisições ou nos associar no exterior na área de alumínio e de ferros-ligas. Aqui, é elevado o custo da energia e, ainda, com maior internacionalização tentaremos reduzir nosso custo de capital adquirindo ativos em países onde o dinheiro é mais barato” (jornais de 22/10/2003).

Este último argumento é ridículo, porquanto custo financeiro não é problema para a “Vale”, que ostenta volume de caixa de fazer inveja, dispõe de excepcionais linhas de crédito para exportação e é aplicadora líquida de recursos a taxas muito remuneradoras.

O presidente da Vale tem afirmado que “pretende concentrar investimentos na mineração e reduzir participação na indústria do aço”. Ele já disse que os “controladores da Vale são na verdade investidores e que ela investe onde for melhor”, e relata: “acabo de aplicar US$ 70 milhões na Noruega em usina para refinar cascalho de manganês” (Jornal do Brasil, de 13.11.03).

Esses conceitos, data vênia, precisam ser mudados para só é bom para a “Vale” o que igualmente for bom para o Brasil. Por exemplo, somos carentes e fortes importadores de carvão mineral. Dessa forma, é justificável a “Vale” explorar carvão em Moçambique, reforçando a política do Itamaraty, ou na China possuidora de enormes riquezas carboníferas, assegurando margem de lucro com o barateamento do frete de retorno ao Brasil dos navios que levam minério de ferro.

O sr. Roger Agnelli, presidente da “Vale” ao receber dia 12/11/03, o Prêmio Mauá da Bovespa foi ao extremo de admitir que o Conselho de Administração possa aderir ao nível 1 da Bolsa, que implica em transformar todas as ações preferenciais em ordinárias. Se isso acontecesse, estaria consumada a desnacionalização, visto que 60% do capital da “Vale” está pulverizado em Bolsas de Valores, sendo 2/3 nas Bolsas internacionais.

Com a ressalva das distorções de concepção estratégica e dos exageros na distribuição de dividendos, há que se reconhecer que os Diretores da “Vale” privatizada, sob a presidência de Embaixador Jorio Dauster e depois do sr. Roger Agnelli (Bradesco), têm tido inegável sucesso operacional e administrativo, que se reflete no incremento da produção e da exportação, na redução de custos e na otimização dos lucros.

O sinal vermelho acendeu no BNDES quando a japonesa Mitsui & Co. Ltd., adquiriu em 31/03/2003 por US$ 829.587.274,67 da Bradespar S/A (Banco Bradesco) o total de 19.607.357 ações ordinárias, de emissão da Valepar S/A, controladora da “Vale” correspondendo a 18,2% das ações com direito a voto. Ao mesmo tempo, a “Vale” teria se comprometido a vender sua parte no controle acionário da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) para a Arcelor, maior conglomerado siderúrgico do universo, fruto da fusão da espanhola Aceralia, da belga Arbed e da Francesa Usinor. Ela compra da “Vale” 40% do minério de ferro (20 milhões de toneladas) que importa para suas indústrias. Essa multinacional também vai abocanhar em 2007 dos Fundos de Pensão o domínio acionário da Acesita.

Em visita ao Brasil, em novembro/2003, o Sr. Guy Dollé, presidente da Arcelor, em declaração aos jornais, esnobou (“não nos preocupa”) um possível processo de reestruturação da siderurgia brasileira, que juntasse CSN, Usiminas e Açominas. Ele profetizou que em 10 anos cinco grupos siderúrgicos “vão deter 50% do mercado internacional. Um europeu (Arcelor) e os outros dos EUA, Japão, Coréia e China”. Ressalte-se que todos estes países são dependentes do minério de ferro do Brasil, sendo que a China assumiu a condição de principal comprador.

É inconcebível conformar-se com o fato de sendo a Companhia Vale do Rio Doce a maior produtora e exportadora de minérios de ferro da terra, com reservas identificadas para meio século, por que não agregar valor a este bem in-natura?

O que impede o Brasil de transformar-se em grande produtor de aço? Alguém poderia argumentar que iríamos concorrer com nossos clientes da matéria prima, mas ninguém ignora que os países importadores precisam tanto de nosso minério de ferro que provavelmente aceitariam ceder-nos parte de seu mercado.

O mesmo raciocínio aplica-se ao café solúvel, suco de laranja, derivados de soja, e outras agroindústrias. Em verdade, não queremos ser meros exportadores de produtos primários.

A “Vale” e os fundos de pensão formados pelas firmas estatais não deveriam exercitar por razões morais o livro arbítrio de transferir suas participações nas indústrias siderúrgicas privatizadas, realizadas com o suor e o sacrifício do povo brasileiro.

O lucro líquido da “Vale” de janeiro a setembro deste ano atingiu R$ 3,717 bilhões, fantástico resultado quando se lembra que no leilão de privatização em 06 de maio de 1997 seu controle acionário foi adquirido por apenas R$ 3,388 bilhões.

Só este ano, a “Vale” está distribuindo dividendos de R$ 2 bilhões e talvez seja a companhia de capital aberto do universo que atribuiu maior percentual de lucro líquido (próximo aos 70%) aos seus acionistas. Convém anotar que desde a privatização são crescentes nos seus balanços os números do Exigível a Longo Prazo.

A elogiável atitude do BNDES de retornar ao núcleo do poder de decisão da “Vale” contrasta com a inapetência do governo Fernando Henrique Cardoso, que renunciou ao direito de nomear dois representantes do Poder Executivo no Conselho de Administração da “Vale”, ao negociar em 2001 na Bolsa de Valores de Nova Iorque para investidores estrangeiros 31,17% de suas ações ordinárias, reservando inexpressivo percentual aos inscritos no FGTS, para efeito propagandístico de atenuar a gravidade do ato de submissão aos cânones do neoliberalismo.

É válido enfatizar que essa operação não rendeu sequer um real para os cofres da Companhia da Vale do Rio Doce, pois o produto da venda foi amealhado pelo tesouro nacional, somando-se aos muitos bilhões de reais arrecadados com as privatizações, embora a dívida pública nos oito anos de reinado FHC tenha aumentado de R$ 64 bilhões para R$ 800 bilhões, no formidável mecanismo de transferência de renda da produção para o sistema financeiro nacional e internacional.

“Vale”, CSN, Usiminas, EMBRAER e outras empresas privatizadas têm compromissos com o Brasil, sem prejuízo do cumprimento de suas obrigações com os acionistas. De sua parte, o governo federal precisa ser ágil na solução de problemas ambientais, questões burocráticas e outros entraves à atuação dessas companhias, que devem receber adequado suporte financeiro do BNDES e do Banco do Brasil e o necessário respaldo do Itamaraty e de outros Ministérios em matérias de seu interesse.

Com a primazia de investimentos no Brasil, queda mais acelerada dos juros e taxa cambial que não prejudique as exportações, esperamos assistir brevemente ao “espetáculo do crescimento econômico”, anunciado pelo presidente Lula.

Léo de Almeida Neves

é ex-deputado federal, ex-diretor do Banco do Brasil e autor dos livros Destino do Brasil: Potência Mundial e Vivência de Fatos Históricos.

Voltar ao topo