Sofismas no Anel – I

Sofisma 1. LÓG. Argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir ilusão da verdade., que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa. 2. p. ext. qualquer argumentação capciosa, concebida com a intenção de induzir em erro, o que supõe má-fé por parte daquele que a apresenta. 3. p. ext. mentira ou ato de má-fé praticado para enganar (outrem); enganação, logro, embuste. ETIM. greg. Sophisma, atos – habilidade, destreza; invenção engenhosa, expediente; artifício, intriga. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

Em resposta ao movimento social que pede uma solução para a questão do pedágio, as concessionárias perpetram uma nova forma de agressão aos usuários. Não bastasse a violência da tarifa extorsiva que nos é imposta, somos agora ofendidos com uma primária tentativa de conquistar a nossa adesão ao logro. As concessionárias que exploram (no mais vulgar e menos técnico sentido do termo) as rodovias do anel pedagiado entregam-nos folhetos cujos títulos prometem dizer “a verdade sobre o pedágio” e esclarecer “a quem interessa o fim do pedágio no Paraná”. Mas o que escondem é justamente a verdade sobre o pedágio e a quem interessa a continuidade do atual sistema de pedagiamento nas rodovias paranaenses.

“O atual sistema de pedágio ou barbárie” é a palavra de ordem que resume os sofismas com que as concessionárias buscam confundir a opinião pública. “Nós ou o caos”, dizem as concessionárias: o governo não dispõe de recursos nem de alternativas para o pedágio, mudar o sistema atual é transferir recursos (sic) “dos 80% que não usam as rodovias para os 20% que as usam” e permitir a destruição da malha do anel da mesma forma que está destruída a malha não-pedagiada.

O truque argumentativo (sofisma) consiste em apresentar o problema complexo da ampliação e conservação da malha rodoviária em termos simplistas e maniqueístas de bem ou mal; o bem são boas estradas em regime de exploração privada com cobrança de tarifas extorsivas e consideração de cada lote concedido como um sistema fechado, o mal são estradas destruídas em regime de administração pública sem cobrança de qualquer tarifa. Não haveria alternativa. Mas sofisma tem perna curta. Estudo em poder do governador Roberto Requião, elaborado pela Ocepar – Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná e pela Faep – Federação da Agricultura do Estado do Paraná para aferir o impacto do pedágio no transporte de grãos e insumos no Estado do Paraná, desmascara a fragilidade e a má-fé do esquema lógico do “ou nós ou o caos” das concessionárias. O estudo demonstra que a regra no mundo desenvolvido não é o regime de exploração privada que as concessionárias querem nos empurrar como a única alternativa racional e justa. Na França, revela o estudo, “compreendendo 5.726 km de vias expressas”, a rede concedida “é gerida por nove empresas, das quais oito são de economia mista controladas pelo poder público, e apenas uma é privada, responsável por 700 km da malha”. E a malha francesa é tomada como um sistema, evitando que uns fiquem com o filet mignon (rodovia de Paranaguá, no exemplo paranaense) e outros com o osso (embora, convenhamos, não há osso algum no anel pedagiado): “O sistema usa parte da lucratividade em trechos isolados para garantir o equilíbrio da malha explorada pela concessionária. Há ainda mecanismos para equalizar os recursos entre as concessionárias”. O mesmo ocorre em outros países. “A Itália possui 6.175 km de vias expressas concedidas, gerenciadas pela SPA Societá Autostrade, de economia mista, com 51% de ações estatais. Deste total, apenas 3.200 km são concedidos a outras administrações públicas e particulares (vias de menor importância). A construção e a manutenção das rodovias são financiadas pelo pedágio. Desde 1950, o conceito adotado é o de arrecadar recursos para conservar não uma única rodovia, mas uma malha completa, por meio de subsídios cruzados, ou seja, receitas transferidas de uma estrada para outra. Apenas uma entre as 25 concessionárias italianas (a que explora o trecho de Turim a Milão, de 127 km) é privada. As restantes contam com capital público e apoio de organismos regionais ou locais.” E nos Estados Unidos, “as estradas pedagiadas representavam 6,5% do sistema rodoviário interestadual e 7% do tráfego [no início dos anos 90].” Hoje, “a extensão norte-americana de rodovias concedidas não passa de 7.150 km, sendo que a malha total pavimentada dos Estados Unidos ultrapassa 5 milhões de quilômetros”. A administração das estradas norte-americanas é pública, sendo “poucos e bem recentes os casos da participação da iniciativa privada nos investimentos em obras públicas”.

Por que não adaptar à nossa realidade experiências bem sucedidas em outros países, criando um modelo próprio, em regime de parceria público-privado com distribuição equitativa dos investimentos e resultados, que afaste os erros de experiências frustradas, como a da Argentina e a do México, países que adotaram modelo similar ao que nos legou o governo Lerner? Aliás, temos experiências bem-sucedidas no nosso próprio Estado: no seu primeiro governo, Requião duplicou a então denominada rodovia da morte, entre Curitiba e Joinville, que não é pedagiada e está em ótimas condições de conservação, e, no atual governo, inicia a duplicação da ligação entre Cascavel e Toledo, na qual igualmente não haverá cobrança de pedágio. Além disso, o DER lança-se a um ambicioso programa de recuperação de estradas.

Como se vê, há, sim, alternativas ao modelo perverso de exploração das rodovias reprovado pelo eleitorado paranaense nas últimas eleições. Esta “a verdade sobre o pedágio” que os sofistas do anel querem esconder. Acreditarmos que o povo do Paraná e seu governo saberão “fazer do limão uma limonada”, extraindo lições da crise para construir um modelo de gestão da malha rodoviária paranaense que promova a sua manutenção e ampliação em bases economicamente sustentáveis e socialmente justas.

Samuel Gomes

é mestre e doutorando em Filosofia do Direito, é um dos coordenadores do Comitê Suprapartidário de Luta pela Solução do Pedágio.

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