Sistema Financeiro da Habitação – Execução extrajudicial

Na execução hipotecária de crédito vinculado às regras do Sistema Financeiro da Habitação, o credor pode optar pela execução judicial ou extrajudicial. Essa modalidade é regida pelas regras ditadas pelo Decreto-Lei n.º 70/66, norma muito questionada, inclusive quanto à sua constitucionalidade, ao fundamento de que as regras ali ditadas violam os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, manifestou-se pela constitucionalidade da referida norma, o que não impede de novamente voltar essa discussão naquela Corte, inclusive, existindo na Corte Suprema de Justiça recurso extraordinário pendente de julgamento, onde se debate justamente essa matéria. O que se tem de certo é que neste momento a posição prevalente da nossa jurisprudência conclui pela constitucionalidade do referido Decreto-lei.

Com base no Decreto-Lei em apreço, no caso de o mutuário ficar inadimplente, a instituição financeira poderá proceder à alienação extrajudicial do bem objeto de hipoteca como garantia do mútuo contratado, fazendo-se à venda em hasta pública ou sua adjudicação, neste último caso apenas se o leilão restar infrutífero.

Ainda que se considere constitucional a referida norma, inúmeros procedimentos e cautelas devem ser atendidos pelo agente financeiro credor antes de proceder à alienação, sob pena de nulidade do ato, com todas as conseqüências que poderão advir.

Assim, quando houver discussão de cláusulas contratuais do contrato, o bem não fica sujeito à alienação em hasta pública (TRF 4.ª Região, Rel. Juiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli, Ap. Civ. 1999.71.00.022251-3, DJU de 11/7/2001, p. 312).

No mesmo sentido a decisão do ministro Teori Albino Zavascki, enquanto juiz do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, verbis: “Firmou-se o entendimento de que, havendo demanda judicial onde se questione a dívida decorrente de contrato de financiamento do SFH, suspende-se a execução extrajudicial proposta nos termos do Decreto-Lei 70, de 1966” (Ag. Inst. n.º 2000.04.01.0112589-5, DJU de 18/7/2001, p. 452). E ainda: “O ajuizamento da ação consignatória visando discutir os critérios de reajustes das prestações inviabiliza a execução extrajudicial do débito pelo rito do Decreto-Lei 70/66, consoante orientação emanada do Superior Tribunal de Justiça” (TRF 4.ª Região, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrére, DJU de 06/6/2001, p. 1226).

Também a jurisprudência tem exigido que para a realização da hasta pública sejam tomadas todas as providências no sentido de garantir ao mutuário inadimplemente seu sagrado direito à ampla defesa e ao contraditório.

Assim, há necessidade de “intimação pessoal do devedor para ciência da data da realização do leilão e, não apenas para fins de purgação da mora” (TRF 4.ª Região, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrére, DJU de 11/7/2001, p. 295). Portanto, para que haja regularidade do procedimento para alienação do bem, impreterível que o mutuário seja intimado pessoalmente, tanto para purgar a mora quanto da data da praça, sob pena de nulidade. Considerando tratar-se de bem imóvel, obrigatória a intimação do cônjuge ou da companheira, se o regime for o da União Estável, ainda que não participe da relação contratual. Nesse particular, “não estando os mutuários separados, habitando em casas diferentes, havendo a notificação de um dos cônjuges para a purgação da mora, resta suprido o requisito em lei” (TRF 4.ª Região, Rel. Des. Fed., Maria de Fátima Freitas Laborrére, DJU de 11/12/2002, p. 993).

Exige-se também que dita execução esteja “instruída com dois avisos de cobrança. Súmula n.º 199 do DJU” (TRF 4.ª Região, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brun Vaz, DJU de 11/7/2001, p. 299), porque somente após essa providência é possível realizar os atos para venda do imóvel em hasta pública.

Além disso, quando o procura extrajudicial restar infrutífera, deve-se realizar notificação extrajudicial antes desse ato ser realizado através de edital, cuja omissão culmina em nulidade do ato. Veja-se o seguinte julgado: “Embora o devedor tenha sido procurado no local de sua residência por quatro vezes, não restou caracterizado que estaria em lugar incerto e não sabido. Em conseqüência, deveria o agente fiduciário realizar a notificação por via judicial para, somente após, se fosse o caso, realizar a notificação por edital” (TRF 4.ª Região, Rel. Juiz Eduardo Tonetto Picarelli, JDU de 29/1/2003, p. 434). Ainda, “a intimação dos mutuários para o leilão será feita, necessariamente, na pessoa dos devedores. Caso a intimação extrajudicial não logre o efeito desejado, o exeqüente buscará a via judicial para tanto ou para, com certidão do oficial de Justiça, configurar a necessidade da intimação através da via editalícia” (TRF 4.ª Região Rel. Des. Albino A. Ramos de Oliveira, DJU de 22/08/2001, p. 1.066).

É certo que nos casos em que o mutuário permanece durante longo período como inadimplente, e quando seu bem já está prestes a ser leiloado, ajuíza medida judicial requerendo a suspensão, tal pleito não é deferido pelo Poder Judiciário sem que se ofereça depósito de valor para purgar a mora.

Nesse sentido: “Firmou-se na 3.ª Turma a orientação segundo a qual não se defere medida suspensiva da execução extrajudicial, mesmo quando requerida como antecipação de tutela, quando a demanda por proposta às vésperas do leilão do bem, sem que o requerente tenha depositado qualquer valor, nem mesmo o correspondente à parte da prestação que considera devida” (TRF 4.ª Região, Rel. Des. Teori Albino Zavascki, DJU de 18/7/2001, p. 453).

Nesse particular, é oportuno observar que o Poder Judiciário não pode ser ingênuo a ponto de cair no “conto do vigário”, que inadimplente por longo período, vendo que seu imóvel será alienado em hasta pública, propõe ação para discutir a relação jurídica, sem ofertar como pagamento a importância em mora que entende incontroversa, demonstrando com esta atitude a pretensão unicamente protelatória de entrega do bem ao agente financeiro.

Feitas essa considerações, concluímos que mesmo reconhecida a constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 70/66, há necessidade de que o agente financeiro siga estritamente os caminhos necessários para o ato de venda do bem em hasta pública, sob pena de nulidade de todo o procedimento. Frise-se que a matéria de nulidade é de ordem pública e, como tal, não se sujeita à preclusão. Portanto, ainda que o Judiciário não possa suspender o leilão sem que haja o depósito do valor que o mutuário entende devido, pode vir a reconhecer a nulidade da alienação extrajudicial ulteriormente.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR, membro do Instituto dos Advogados do Paraná. htttp //
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