Reforma e invasões

Diziam os líderes da oposição aos governos passados que a realização da reforma agrária era uma questão de vontade política. Desejável sob o ponto de vista social e econômico, num país em que latifúndios chegam a medir quase o mesmo que pequenos países e muitos são improdutivos, na verdade essa reforma sempre se fez a conta-gotas. E por vezes nem se fez, guardando-se um respeito sacramental ao dito sagrado direito de propriedade.

Vivemos, por muito tempo, num país de senhores e servos da terra, além dos sem-terra, estes agricultores destituídos do essencial para o seu trabalho: o chão para plantar. O sagrado direito de propriedade evoluiu para uma consagração condicionada ao seu uso social, o que foi abrigado pela Constituição e pela legislação civil, jurisprudência e normas governamentais. Um país gigante, com milhões passando fome e terras vazias, improdutivas, mostrou-se claramente um sacrilégio. A lei, hoje, condiciona o direito de propriedade da terra ao seu fim social. Desde então começaram a se desenvolver planos de reforma agrária, tímidos às vezes, mais ousados noutras e sempre aquém da demanda, que sempre foi crescente. E contidos pelas normas legais, burocráticas e falta de recursos necessários para desapropriações, quando cabíveis, e também para a realização de assentamentos. Dar terras, em si, nada resolve. É preciso prover o agricultor dos meios para explorá-la convenientemente, o que demanda tecnologia, sementes, máquinas, financiamentos, infra-estrutura e meios de comercialização.

Por isso é que, mesmo nos períodos de reforma agrária acelerada, ela pareceu lenta para os milhões de brasileiros que dela precisam. E para os que usam o problema com fins políticos, visando mais a reforma do sistema político-econômico que a solução do problema fundiário.

FHC alguma coisa de positivo fez, em termos de reforma agrária. Mas a grande esperança era o governo Lula, revolucionário, apoiado e apoiador de movimentos como o MST e que, portanto, faria a reforma agrária, quem sabe também a do regime. Para decepção dos extremistas, Lula e seu governo assumiram mantendo os compromissos da reforma agrária e o atendimento aos movimentos sociais, dentre os quais se inclui o MST, mas dentro das normas democráticas.

Na campanha eleitoral, as invasões de terras pararam por alguns meses. Parada anunciada, como uma trégua para não atrapalhar a caminhada de Lula para o poder. Mal assumiu, recomeçaram porque ele chegou ao governo pelos meios democráticos e democráticas têm sido suas intenções e ações.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, bem como suas representações nos estados, foram entregues a gente afinada com a luta pela reforma agrária e com o MST. Mas não bastou. Recomeçaram as invasões, agora não só de terras improdutivas, como produtivas e ainda de próprios do governo, como a sede do próprio Incra. Pela primeira vez, o governo Lula protesta, considerando que o MST “ultrapassou limite democrático”. Isso em nota do ministério, sem assinatura, em linguagem de lamento e não de condenação. Nele, enumera o que o governo Lula já fez, em tão pouco tempo de administração, pela reforma agrária. Mas não basta. A abolição do direito de propriedade privada e a mudança do regime não aconteceram. Portanto, Lula terá de enfrentar o MST, como aconteceu com o governo passado. Quem sabe, e oxalá isso não aconteça, até uma segunda Carajás.

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