Preconceito sentido na pele

Há algum tempo venho ensaiando abordar o tema de hoje. Desta forma, dividir um assunto que geralmente fica restrito aos bastidores. Trabalho com o jornalismo esportivo há sete anos. Antes de começar a escrever sobre o assunto, já tinha o futebol presente no meu cotidiano. Era atleta das categorias de base de uma equipe da capital. Joguei de 1992 a 1999, quando tive que optar pela carreira profissional, mesmo porque, futebol feminino no Brasil é incipiente, por uma série de fatores e preconceitos.

Depois de sofrer as agruras dentro de campo, com todo o preconceito que cerca o futebol feminino no País, pensei que todas as decepções que poderia ter na vida, em relação ao futebol, tivessem se esgotado. Ledo engano. Se conviver em um meio onde o time só anda se todas as garotas fixassem um objetivo já era complicado, uma vez que dependíamos da boa vontade dos “superiores”, impreterivelmente do sexo oposto, quando dei os primeiros passos na crônica, vi que as dificuldades se multiplicavam. Mais especificadamente no trato com os “colegas”.

Não tenho números exatos de quantos profissionais da imprensa esportiva estão em atividade. Mas o número de mulheres atuando no setor é mínimo. Duas no jornalismo escrito, onde a valorização e tratamento é igual ao dos homens, duas na televisão e duas em assessoria de imprensa. No total, são seis mulheres, cercadas de homens por todos os lados, especialmente em cargos de chefia.

Se passou despercebido, vale ressaltar que o rádio esportivo é o único veículo em que não há uma jornalista sequer.

No fim do ano passado, recebi convite de uma rádio curitibana, que fez menção em alterar este panorama, tão ultrapassado, onde a mulher não tem vez, apesar de todos saberem que gostamos, e conhecemos, de futebol como qualquer brasileiro. Empolgada com a possibilidade, comecei a me atualizar sobre as peculiaridades deste tipo de veículo de comunicação, que requer muita segurança e desprendimento. Afinal, já se vão cinco anos em que trabalho apenas com textos. Mas qual não foi a minha surpresa quando os comandantes do departamento esportivo me deram cartão vermelho, que fiquei sabendo por terceiros, sem sequer me ouvir em ação.

Depois de um tempo, já cicatrizada pela história, ouço um colega ligado à rádio em questão falar, em tom de zombaria, que “ainda não era hora de mulher falar em rádio”, mesmo que em jornais e TVs e assessorias, tenhamos conquistado nosso espaço. Pelo menos não em Curitiba, considerada “cidade de primeiro mundo? e que possui três equipes na elite do futebol brasileiro. Detalhe: estamos no século XXI!

Engoli seco e passei a apoiar ainda mais a iniciativa da Ruthe Précoma, assessora de imprensa do Malutrom, que acompanhou de perto o belo trabalho realizado pela saudosa Soninha Nassar, a precursora do jornalismo esportivo feminino, que atuou em todos os tipos de veículos, com maestria. Vamos criar uma associação exclusivamente nossa, que trabalhe em nome das mulheres que lutam por oportunidades iguais, mesmo que seja em uma área em que, devido ao retrato da sociedade, sempre foi dominada pelos homens. Nós pagamos impostos como todo o cidadão, por isso temos que ter também as mesmas oportunidades de trabalho. Afinal, competência não tem sexo. E futebol é como qualquer assunto. Quem gosta e estuda, tem autoridade para abordá-lo.

Gisele Rech (badalacao@parana-online.com.br) é repórter na editoria de Esportes em O Estado

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