Política: ciência régia ou arte de engolir sapos?

Um estadista famoso, não me lembro mais se Churchill, De Gaule ou Mao Tse Tung, definiu um dia a política como “a arte de engolir sapos”. Confesso que não comungo desse ponto de vista. Penso, pelo contrário, que são os cidadãos comuns que são obrigados, por vezes, a engolir os políticos, metamorfoseados em indigestos batráquios. Mas faço uma ressalva estratégica: não me refiro a todos os políticos. Refiro-me apenas àquela “infinita minoria” a que se referiu Juan Ramon Jimenez.

Um fato é público e notório: a política vive hoje, no Brasil e no mundo, uma época de crise sem precedentes. Jamais o seu descrédito foi tão visível. Nunca o seu desprestígio foi tão evidente. Por isso mesmo, parecem cada vez mais oportunas algumas clássicas ponderações. Clássicas, contundentes e corrosivas. Como a de D’Aurevilly: “Nem os que amam a verdade nem os que adoram a beleza, podem ocupar-se da política, pois esta, por sua vez, não se ocupa de uma nem de outra”. Ou a de D’Alambert: “A guerra é a arte de destruir os homens, da mesma forma que a política é a arte de enganá-los”.

A rigor, porém, não é a política que está em crise. Esta afeta, isso sim o “homo politicus”. É cada vez mais generalizada a impressão de que os políticos, na sua maioria, são demagogos, incompetentes, corruptos, venais, cerreiristas, fisiológicos, oportunistas, desonestos pusilânimes, mentirosos.

Dir-se-á que se trata, como já disse, de mera impressão ou aparência. Mas é bom não esquecer o que Oliveira Salazar escreveu um dia: “Em política, o que parece, é.” Mas acontecerá isso apenas com a política?

Uma das razões determinantes para que a política e os políticos tenham a imagem negativa que ostentam, talvez seja esta: trata-se de uma profissão – talvez a mais importante de todas – que não conta com genuínos e autênticos profissionais. Não há escolas nem professores de política. (Deveria haver). Os que a exercitam são, na melhor das hipóteses, esforçados diletantes – ou simples amadores. É certo que, alguns, são realmente chamados por uma vocação irresistível. Outros, porém, são movidos pelo combustível (de alta octanagem) da ambição, pelo apetite pantagruélico por uma sinecura, por um alto salário (e vantagens adicionais), pela vaidade ou mesmo pela urgência de defesa de espúrios interesses pessoais, grupais ou partidários. Uns, pretendem de fato servir – e o fazem com idealismo e competência. Outros, desejam apenas servir-se. Locupletar-se. Mas uma coisa é indiscutível: a política é, ou deveria ser, uma atividade séria. Tão séria que o imenso Platão chegou a considerá-la como “ciência régia”. E o próprio Aristóteles não hesitou em definir o homem como “zoon politikon”. Ou seja: animal político.

Mas pergunto, o que vem a ser verdadeiramente a política? Qual a sua natureza por assim dizer ontológica (essência)? Qual a sua função por assim dizer teleológica (fins)?

Para responder a essas questões capitais, necessário se faz que revisitemos o pensamento do excelso Filósofo da Academia. Ele ensina que política é ciência e, simultaneamente, arte de governar. Entendendo-se por governo um tríplice “modus operandi” que envolve, na sua sintaxe operacional (e na sua morfologia estrutural), a organização, a administração e a direção do aparelho ou máquina do Estado.

Olhado por outro prisma ótico, a política é o conjunto dos princípios, opiniões, procedimentos, estratégias e ações do “zoon politkon”, ou seja, do animal político que oficia a liturgia da política.

Podemos vislumbrar também na política um processo incessante de luta pela conquista, manutenção e expansão do poder, bem como a forma como esse poder se exerce, na sua mecânica interior. Como pode ser ainda toda a espécie de reflexão filosófica sobre a origem, natureza, estrutura e finalidade desse mesmo poder.

Sendo fundamentalmente uma “práxis” até certo ponto empírica, através da qual se realiza o bem da cidade, da “polis”, da comunidade, um bem que interessa a todos, será fácil compreender as razões que determinam a imagem predominantemente negativa dos políticos. Afinal, os interesses, necessidades, aspirações e desejos dos diversos integrantes do organismos social, são múltiplos, diversificados, quando não conflitantes. Dificilmente será possível atender a todos ao mesmo tempo.

Um aspecto fundamental da política é destacado por Proudhon, que vê nela a ciência da liberdade. Com efeito, a liberdade

é a espinha dorsal, se não a alma, da atividade política. É o oxigênio que ela respira.

Dessa colocação basilar deriva a conhecida tese de Karl Jaspers. Assim se pronuncia o mestre da filosofia existencial: “Só com liberdade política o homem se torna autenticamente homem, livre para ordenar os negócios de uma nação e para afirmá-la, em face do exterior”.

Ontologicamente considerada, a política é uma tensão nuclear entre a violência possível e a coexistência necessária. Seu objetivo fundamental deverá ser a erradicação da violência do corpo social. De que modo? Através do diálogo, do debate, da busca, no meio da “selva selvaggia” dos interesses pessoais ou grupais, de zonas de sintonia, de pontos de convergência. De denominadores comuns. Se possível, de amplo e geral consenso. Mao Tse Tung concebia a política como guerra sem derramamento de sangue.

Concepção que Churchill complementou: “A política é tão excitante quanto a guerra. Com uma diferença: É mais perigosa”.

Qual a melhor política? “É ser honesto”, respondeu um dia Voltaire. Mas Kant corrigiu sutilmente o pensamento do filósofo francês: “A honestidade é sempre melhor do que a política”.

(Voltando aos políticos: penso que eles se dividem em dois grandes grupos. Quais? Os progressitas e os conservadores. Os primeiros objetivam o progresso das suas contas bancárias. Os segundos, a conservação dos seus empregos. “Se non è vero…”)

Se política é destino, como queria Napoleão, não será difícil concluir que o nosso destino só pode ser a política. Afinal, todos navegamos no seu mar largo. Enfrentando tempestades e calmarias. Ouvindo constantemente o canto hipnótico das sereias. Aquele mesmo canto que tentou seduzir Ulisses, o herói troiano, a caminho da Ítaca natal e dos braços doces da sua Penélope…

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