Censura a jornal mancha o Judiciário, diz professor

A censura ao jornal O Estado de S. Paulo, para o professor da Escola Superior de Direito Constitucional, Luiz Carlos Auricchio, demonstra que, em vários momentos, o País tem andado para trás em termos de consolidação democrática.

“Isso me preocupa muito porque, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou todas as punições previstas na Lei de Imprensa no sentido de coibir a livre manifestação do pensamento. A sentença contra o jornal tem o sentido exatamente contrário desta”, observou.

A decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) que, desde 31 de julho, impede o jornal O Estado de S. Paulo de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal (PF), que indiciou por vários crimes o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP), na visão do especialista, representa um destes passos para trás. “Ela contraria a própria Constituição Federal e vai contra o espírito do documento legal”, disse.

De acordo com Auricchio, a Constituição pode ser vista como um catálogo de liberdades. “Quando a Constituição foi escrita, havia um recado claro que os constituintes e a sociedade gostariam de passar, que era uma resposta clara contra os tempos da repressão, inaugurando um período de liberdades plenas”, afirmou.

Assim, relembrou o constitucionalista, a chamada Constituição Cidadã consagrou direitos como a liberdade de imprensa, de expressão e a livre manifestação do pensamento em oposição à vedação das liberdades e à perseguição aos opositores, práticas comuns do regime militar.

Naturalmente, relembra ele, os constituintes e a sociedade não podiam tolerar o outro extremo, ou seja, o abuso das liberdades. Por isso, foi estabelecido o pagamento de indenizações quando houver ataques injustificados aos cidadãos por parte dos meios de comunicação. “Tudo isso é muito triste. Em vez de florescer, vemos a nossa democracia definhar por causa de decisões como estas”, afirmou.

‘Intérpretes’

O que mais surpreendeu o professor foi que a censura, que antes era utilizada pelo Executivo para oprimir seus opositores, agora foi da lavra de um juiz. “Ora, os juízes são os intérpretes da Lei Maior. Em uma decisão desta, que mancha o Judiciário, a última coisa a ser observada foi a Constituição”, lamentou.

Outro aspecto que chamou a atenção de Auricchio no caso foi a vinculação do autor da decisão, o desembargador Dácio Vieira, à família Sarney. “É algo que vem a manchar ainda mais a nossa democracia”, disse.

Vieira foi declarado suspeito por seus próprios pares, mesmo assim a decisão foi mantida. Depois, o TJ-DF se declarou incompetente e remeteu o processo à Justiça Federal do Maranhão. E mesmo assim a decisão permanece.