Caso Banestado acaba em silêncio

Depois de muitas investigações, discussões, brigas e pedidos de prisão, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Banestado termina sem resultado. O prazo para votar o relatório final da CPMI termina hoje e se isso não ocorrer, todo o trabalho de 18 meses realizado pela comissão perde seu efeito legal. Para indiciar os acusados, o Ministério Público Federal terá de refazer todas as investigações.

Criada em junho de 2003, a comissão investigou a remessa ilegal de dinheiro ao exterior. Uma investigação da Polícia Federal deu origem à CPMI. De acordo com o que foi apurado pela PF, cerca de US$ 30 bilhões foram enviados para contas do Banestado em Nova York, feitas por meio das contas CC-5 – contas que servem para que empresas multinacionais ou brasileiras com interesses no exterior transfiram dinheiro para fora do País, também utilizadas para o envio de dinheiro a brasileiros que moram no exterior. A PF apurou ainda que um grupo de doleiros atuava como operador dessas contas. O dinheiro foi enviado para outros bancos nos EUA e, depois, para paraísos fiscais -como acontece em esquemas de lavagem de dinheiro.

Com as investigações realizadas pela Câmara e pelo Senado, o escândalo tomou proporções ainda maiores e trouxe à tona o suposto envolvimento no esquema de pessoas como o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, os ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Paulo Maluf e até o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

O relatório final da CPMI – apresentado em dezembro passado pelo relator deputado José Mentor (PT-SP) – traz o nome de 91 indiciados. No entanto, depois de várias discussões internas, o presidente da comissão, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), acabou apresentando um "relatório paralelo" com a indicação de outros suspeitos e excluindo diversas pessoas que constam no relatório de Mentor.

De acordo com a deputada  Clair de Sousa (PT-PR), a CPMI termina muito longe de atingir seu principal objetivo: descobrir o destinatário final do dinheiro enviado ao exterior e, o mais importante, conseguir repatriar esse dinheiro. "Eu questiono o rumo que as investigações tomaram. Elas foram pautadas muito pela forma que esse dinheiro saiu do País e não se deu muita ênfase para tentar descobrir o destinatário final. Terminamos a investigação sem nada de concreto", avalia a deputada.

Apesar disso, Clair afirma que a CPMI conseguiu reunir documentos importantes que podem embasar a continuidade das investigações, seja através do Ministério Público, Polícia Federal ou Receita Federal. Quanto à possibilidade de se continuar a investigar o caso Banestado no Congresso, a deputada é pessimista. "Não há clima na Câmara para prosseguir com uma investigação desta natureza. Acredito que no Senado seja a mesma coisa", disse.

A deputada atribui ao excesso de interesses particulares e de grupos o desfecho frustrante da CPMI. "Cabe à sociedade civil pressionar para que se continue a apurar os fatos. Sabemos que o dinheiro evadido foi muito maior do que o inicialmente cogitado. Há indícios de que a soma seja superior a US$ 200 bilhões. É certo que muito desse dinheiro remetido ao exterior não é ilegal, mas deveria haver um fórum para tratar destas questões. O problema é que o momento político atual não permite", afirmou.

Uma sucessão de picuinhas e intrigas

Em dezembro do ano passado, o relator da CPMI do Banestado, deputado José Mentor (PT-SP), conseguiu adiar o fim da comissão. O relatório final elaborado por ele não havia sido votado no Senado, depois que o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), presidente da comissão, apresentou um voto em separado propondo o indiciamento do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para se contrapor ao relatório oficial do deputado José Mentor.

A votação foi suspensa depois da confusão. No entanto, Mentor apresentou um recurso à Secretaria-Geral da Mesa do Senado contra o encerramento dos trabalhos da comissão. De acordo com ele, a Constituição Federal e os regimentos internos da Câmara e do Senado estabelecem que nenhuma reunião da comissão poderia ter sido realizada depois do dia 15 de dezembro, data de encerramento dos trabalhos do Congresso. Isso, segundo o relator, não foi respeitado pelo presidente da comissão, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), que no dia 27 encerrou os trabalhos sem que o relatório final de Mentor fosse votado.

Confusão

Os desentendimentos internos na CPMI tiveram início em meados de 2004, quando começaram a vazar pela imprensa dados sigilosos referentes a documentos em poder da CPI. Em 14 de dezembro do ano passado, Mentor apresentou o relatório final da CPMI com 91 indiciados. Entre os acusados de participação no esquema fraudulento estão o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.

No entanto, o presidente da comissão que discorda do documento apresentado por Mentor elaborou um "relatório paralelo", no qual acusa o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, dos crimes de evasão de divisas e contra o sistema financeiro. Propõe também indiciar o ex-presidente do Banco do Brasil Cassio Casseb e o ex-diretor do BC Luiz Augusto Candiota por evasão de divisas, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro. O relatório de Antero propõe que os documentos reunidos pela CPI referentes aos ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Paulo Maluf sejam encaminhados ao Ministério Público e à Receita, para investigação e cobrança de impostos devidos. O nome de Franco não consta no relatório de Antero. (SR)

Entenda a CPMI do Banestado

QUANDO COMEÇOU

Junho 2003 para apurar remessa ilegal de dinheiro, de 1996 a 2002, ao exterior.

O QUE DEU ORIGEM

Uma investigação da Polícia Federal que, em 2001, mandou uma equipe de policiais para Nova York com o objetivo de investigar remessas de cerca de US$ 30 bilhões para contas do Banestado no exterior, feitas por meio das contas CC-5. Segundo a PF, há suspeita também de que o dinheiro seja, em parte, proveniente do tráfico. Depois destas apurações, decidiu-se implantar a CPMI.

O QUE SÃO AS CONTAS CC-5

Contas que servem para que empresas multinacionais ou brasileiras com interesses no exterior transfiram dinheiro para fora do País, também utilizadas para o envio de dinheiro a brasileiros que moram no exterior. A PF apurou que um grupo de doleiros atuava como operador dessas contas. O dinheiro foi enviado para outros bancos nos EUA e, depois, para paraísos fiscais  – como acontece em esquemas de lavagem de dinheiro. Pelas CC-5 também chegam dólares de governos estrangeiros e organismos internacionais.

OS TRABALHOS DA CPMI

A CPMI do Banestado obteve a relação do Banco Central das 412.705 operações feitas por CC-5 no Brasil entre 1996 e 2002. É o maior levantamento do gênero já entregue a uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

O QUE A CPMI QUERIA DESCOBRIR

Se as pessoas e empresas que aparecem na relação do Banco Central declararam a origem do dinheiro em seu Imposto de Renda e também a propriedade de algumas empresas ‘offshore’ que operaram

com as CC-5.

CONCLUSÕES DA CPMI

O relator da comissão disse que foram remetidos para o exterior muito mais do que os US$ 30 bilhões inicialmente anunciados. De acordo com José Mentor, houve desvio de cerca de US$ 90 a US$ 150 bilhões.

Parte das evasões teriam sido feitas pelo Banco Araucária, no Paraná, e teriam ocorrido entre 1996 e 2002. De acordo com depoimentos obtidos com a CPI, entre 100 e 200 pessoas estariam envolvidas no esquema.

Ao todo, a comissão analisou 1,6 milhão de operações financeiras e investigou de 500 a 600 mil pessoas físicas e jurídicas.

Foram requisitadas 1.700 quebras de sigilos bancários.

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