Poderes sem controle

?O patrimônio da democracia não parece ser, muitas vezes, valorizado pela classe política e por setores que formam opinião. As denúncias de corrupção no Congresso e no Executivo têm, justamente, alimentado preocupação e desesperança.? A frase foi escrita por Maria Celina D?Araújo, doutora em ciência política e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).

Esse ponto de vista integra o conjunto de idéias exarado no artigo ?Eleições e pobreza intelectual?, que Celina escreveu para o último número da revista Conjuntura Econômica, editada sob auspícios da prestigiosa instituição dedicada ao estudo de problemas políticos, sociais e econômicos do país. A leitura de alguns parágrafos do artigo leva o interessado na compreensão da presente disputa eleitoral a raciocinar com maior atenção nesta quadra importante para a nacionalidade e, mais ainda, sobre a responsabilidade que deve sedimentar o dever constitucional do voto.

Lembra a cientista política que dentre as mazelas afloradas do Congresso a maior ?é a falta de controles sobre os poderes, a falta de transparência e de uma ação mais eficaz das corregedorias, dos tribunais e do Ministério Público?, admitindo com propriedade que ?hoje não precisamos de qualquer reforma para fazer valer a boa conduta no trato com a coisa pública, apenas precisamos cumprir as leis existentes?.

Na verdade, a pesquisadora tocou numa ferida aberta há muitos anos, para a qual tardam os procedimentos recomendados pela mínima técnica curativa. A chaga se abre cada vez mais, ao se perceber que grande parte dos candidatos insistiu na fórmula mágica da reforma política, ?quando, de fato, nem sabem do que estão falando?.

Não se pode discordar da tese posta por Maria Celina D?Araújo, mesmo que a mesma venha recheada com um estofo até certo ponto elitista. Ela a expressou da seguinte forma: ?Todos os países democráticos que quiseram alterar regras em seus sistemas eleitoral e partidário convidaram as universidades para efetuar estudos sobre os impactos de tais mudanças na qualidade da democracia?. Em outras palavras, os meios acadêmicos jamais deveriam ser dispensados de entrar com sua participação num processo tão delicado quanto a reforma política.

Temas relevantes, como o fim das coligações nas eleições proporcionais, listas fechadas ou abertas, voto distrital misto ou puro, financiamento público de campanhas, criação de federações de partidos, fidelidade partidária e critérios para alocação de recursos do fundo partidário afloram sempre que se discute a urgência da reforma política. E a participação das universidades no processo, à vista da seriedade dos itens em debate, é plenamente justificada para evitar anomalias e desvios.

Aliás, ameaça a ser levada em conta, tendo em vista que a reforma política provavelmente será discutida pelo Congresso eleito domingo, para o qual deverão retornar mensaleiros, sanguessugas, além de notórios carreiristas marcados pelo desmerecimento do mandato popular. Como esperar um trabalho conseqüente de aproveitadores que buscam proteger-se sob a carapaça da imunidade parlamentar? Mas só criticar o Congresso não basta, explica Celina, ao reclamar ?mais controles e maior presteza na aplicação das leis?.

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