“Piqueteros” e os direitos Humanos na Argentina

Cláudio Pandolfi é um jovem advogado argentino. Veio ao Brasil participar de seminário sobre os defensores dos direitos humanos realizado em Brasília, organizado por importantes entidades do setor como a Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), Grupo Tortura Nunca Mais (RJ), Justiça Global, com o apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, tendo sido recepcionado pelo advogado paranaense Darci Frigo, da CPT, e por Leandro Franklin, da organização Terra de Direitos, fundada recentemente em nosso Estado. A convite de ambos, o advogado argentino participou em Curitiba de vários eventos, com a finalidade de estabelecer vínculos entre as entidades de direitos humanos de ambos os países.

Pandolfi é membro da Coordinadora Contra La Represión Policial e Institucional (Correpi), organização em defesa dos direitos humanos que atua na Argentina há mais de dez anos. Sua atividade está ligada ao movimento dos `piqueteros’, que agrupa cerca de 150 mil integrantes e com influência em cerca de 1,5 milhão de trabalhadores. Desempregados e trabalhadores informais, resultado da grave crise na Argentina, atuam em mobilizações ocupando prédios públicos, ruas, rodovias, em protesto à exclusão social a que são submetidos. Na luta por trabalho, dignidade e mudança social, buscam conseguir assistência social e alimentos às suas famílias, além de tentar recursos para pequenos empreendimentos que possam garantir a sobrevivência, em especial no setor do vestuário, calçados, costura.

O movimento dos `piqueteros’ tem sido reprimido com violência pelo governo. Dois de seus integrantes, recentemente assassinados em Buenos Aires, somaram-se aos mais de cinqüenta trabalhadores mortos nos conflitos de rua desde 1995. O regime repressivo persegue e processa mais de 500 `piqueteros’ e cerca de 3 mil militantes de outras organizações sociais, enquanto muito líderes estão ameaçados de morte. Os dias 19 e 20 de dezembro marcam as datas dos grandes movimentos populares em Buenos Aires, por ocasião da renúncia do ex-presidente De la Rúa, quando foram assassinados 36 dos manifestantes.

Cláudio Pandolfi não é otimista em relação às eleições gerais argentinas a serem realizadas em março próximo. Segundo ele, poderá ocorrer que mais de 50% dos eleitores não participe do pleito, em protesto ao controle partidário mantido pelos grupos políticos tradicionais daquele país. Considera fundamental a criação de alternativas políticas que possam viabilizar a representação dos trabalhadores nos organismos do poder estatal, mas é um processo lento e que encontra muitas dificuldades.

Os trabalhadores argentinos não têm conseguido uma unidade orgânica e de ação em suas entidades representativas, quer as políticas, sindicais, profissionais ou sociais. Esta fragmentação tem dificultado um plano comum de reivindicações e, em conseqüência, não há muitos resultados positivos que possam beneficiar o conjunto da classe trabalhadora, em especial os desempregados e excluídos.

Os salários na Argentina têm sofrido crescente perda. O valor médio está em 230 dólares, cerca de 1,35 dólar a hora, menos da metade do valor médio do salário no México, enquanto que na Europa essa média varia de 1.500 a 2 mil dólares, mês. Há um ano, a Argentina estava no topo do raking latino-americano, com valor médio salarial de 841 dólares. A queda, em um ano, foi de 73%. O último aumento salarial ocorreu em julho, em 100 pesos, e a perda do valor aquisitivo está fixada em cerca de 25%. Entidades sindicais de trabalhadores e empregadores discutem novo reajuste salarial para janeiro de 2003.

Recentemente, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em visita ao presidente e autoridades da Argentina, já iniciando os contatos para a revitalização do Mercosul, visando transformá-lo “não apenas em uma efetiva união aduaneira, mas em um espaço de convergência de políticas industriais e agrícolas ativas”. Na oportunidade, algumas idéias foram assinaladas, como a de uma moeda comum da região, um Parlamento regional, negociações em comum com os Estados Unidos e a União Européia, a troca de produtos agrícolas in natura.

A recente experiência da Argentina no que concerne às relações capital e trabalho deve ser analisada atentamente, dada a sua similitude com a realidade brasileira. De um país colocado como aplicador da política neoliberal imposta pelo governo norte-americano, com quem fez uma parceira irrestrita, passa a ser um país situado como um dos exemplos do fracasso dessa política com trágicas conseqüências para o seu povo e para o povo latino-americano. Por isso, nosso intercâmbio com o país-irmão é fundamental para o nosso próprio soerguimento econômico, social e político.

O advogado Cláudio Pandolfi está integrando a rede de advogados latino-americanos que vem se organizando na luta pelos direitos humanos, onde estão situados os direitos sociais como fundamentais e indispensáveis para nossas comunidades. O relato do trabalho dos defensores de direitos humanos efetivado no seminário de Brasília apontou para a necessidade de avançar no fortalecimento das organizações que atuam no setor e, em especial, do comitê permanente ali definido. O advogado Darci Frigo, premiado internacionalmente pela sua luta em favor dos direitos humanos, em particular na luta pelos sem-terra, destaca a importância do estreitamento das relações das entidades dos defensores de direitos humanos, como forma de não apenas trocar experiências, como fortalecer o trabalho em áreas onde os desequilíbrios sociais e econômicos são mais acentuados, gerando conflitos e contradições.

Edésio Passos

é advogado e ex-deputado federal. E-mail:
edesiopassos@terra.com.br

Voltar ao topo