Hamilton Leal é um construtor de hospitais

Diretor de um dos hospitais mais importantes de Curitiba, o Santa Cruz, o médico Hamilton Leal tem mais de 60 anos de dedicação à saúde no Estado. Uma das razões do sucesso é que o hospital possui ótimos profissionais e equipamentos de última geração, que permitem ao paciente ter o melhor atendimento possível.

Hoje, com 87 anos de idade, embora não atue mais em sua profissão, o Dr. Hamilton está todos os dias no hospital acompanhando de perto tudo que ocorre por lá.

Ele recebeu a reportagem de O Estado para uma entrevista em que revelou como foi sua carreira e o processo de construção de vários hospitais no Paraná. O Santa Cruz planeja um investimento de R$ 16 milhões no ano que vem, para atendimento oncológico, o que vai representar um crescimento de cerca de 25% em relação a 2010. Mais 100 profissionais deverão ser contratados.

O Estado – Como foi o processo de construção do Hospital Santa Cruz?

Hamilton Leal – São 62 anos de vida trabalhando em hospital. Na época em que iniciei, a cidade tinha população menor e os médicos geralmente criavam algum hospital para trabalhar.

Comecei com o Instituto de Medicina, sob o comando de Erasto Gaertner. E aí tive a inspiração com a aproximação de médicos de São Paulo e Rio de Janeiro. Eu trabalhava no Erasto e ele trazia médicos de fora.

OE – O início de carreira foi difícil?

HL – O Dr. Fernando Paulino veio fazer cirurgias dentro do Erasto Gaertner (Instituto de Medicina na época). Como frequentadores do hospital, tínhamos a obrigação de descrever as cirurgias.

Ele era um dos melhores cirurgiões do mundo, operava em Londres, Nova Iorque, para demonstração. Um dia ele foi ver a descrição da cirurgia que eu fiz. Chegou para mim e perguntou: ‘quem fez isso?’: eu disse: ‘fui eu’.

Ele disse: ‘em que ano você está?’ Eu respondi que estava terminando o curso. Ele afirmou: ‘Quando você terminar, se quiser pode ir trabalhar comigo no Rio’. Assim me inspirei nele para começar a realizar o hospital em Curitiba.

OE – E aí o senhor não parou mais, não é?

HL – Com cinco anos de formado comecei a construir o hospital da Polícia Militar, no Capanema (Hospital Hamilton Leal, na época). Comprei os terrenos com meus recursos e com a ajuda do meu pai.

Íamos guardando dinheiro, a ponto de trocar um carro por tijolo! Depois começamos a construir o grupo Santa Cruz. Pessoas que eu citaria como companheiros fiéis no empreendimento foram o Dr. Afonso Mendes, Dr. Valfrido Leal, Dr. Jacir Leal, Dr. Ivo Rocha, Dr. Françoá Moura e Dra. Aglaé Ribas.

Depois passamos a construir o hospital da Rua do Rosário, com 13 pavimentos (hoje desapropriado pelo governo federal). Construímos o Hospital do Portão e o primeiro lance do Santa Cruz na Avenida Batel.

Em seguida iniciamos o infantil do Portão. Por último fizemos o Hospital Branca de Neve, que hoje está aqui (no Santa Cruz). Foram sete hospitais construídos ao todo. Fizemos a primeira Unidade de Terapia Intensiva (UTI) particular do Paraná, a segunda UTI Coronariana e também o centro médico Plínio Pessoa.

OE – Com tanta coisa construída em prol da saúde em Curitiba, o senhor se considera o maior empresário da área médica por aqui?

HL – Que eu saiba, ninguém fez o que eu fiz. Talvez até no Brasil.

OE – O que mudou na Medicina desde que o senhor começou a atuar?

HL – Construímos tanto justamente porque a medicina evoluiu nesses últimos 50 anos. E dentro disso fomos fazendo hospitais melhores, chegando a ter todos esses equipamentos que temos hoje, que há nos melhores hospitais do país.

Depois da descoberta do raio-x houve uma evolução. Hoje se opera tumores no fígado, coração, crânio, antigamente não. Hoje a incidência de tumores cerebrais é muito grande.

E ainda temos problemas na formação de coluna, calcificaç&otild,e;es, hérnia de disco, esporão, o que antigamente não se via tanto. Depois começou a funcionar a ecografia, a tomografia, a ressonância, a tomografia coronariana.

Na minha época só tinha raio-x elementar e o simples contrastado. Antes o clínico fazia uma investigação minuciosa do paciente e investigação de probabilidade. Às vezes, abria um abdômen sem ter certeza do que se poderia encontrar lá dentro.

OE – O senhor se especializou na época?

HL – O Dr. Paulino me deu cartas para o mundo inteiro e acabei em Nova Iorque. Naquele tempo, há 60 anos, praticávamos a cirurgia geral e a ginecologia-obstetrícia.

Éramos chamados de operador-parteiro. Teve um período da minha vida que os ensinamentos vinham da Europa. Depois começaram a vir dos Estados Unidos. Às vezes, tínhamos que comprar livros da Argentina. Com uma certa idade fui acometido de catarata e não exerço mais.

OE – O Santa Cruz só atende planos e particular. Já atenderam pelo SUS, que está caótico hoje?

HL – Atendíamos pelo SUS antigamente. Depois cancelamos. E eu endosso o termo “caótico”. Nos retiramos do SUS para entrar em alta complexidade. Com o SUS não tínhamos recursos para isso. Os planos de saúde deram reforço às organizações existentes e partimos para a média e alta complexidade. Não temos como lidar com o SUS aqui, pois quebraríamos.

OE – Hoje os médicos reclamam muito da remuneração dos planos. Qual a sua opinião?

HL – Há uma via de duas mãos. O plano recebe da empresa e transfere para os médicos. Se recebe pouco aqui, paga pouco lá na frente. São Paulo paga sete vezes mais. Se as empresas pagarem mais, os médicos vão receber mais.

OE – O que é preciso fazer para melhorar essa remuneração dos médicos?

HL – Aumentar uma das mãos, uma entrada de dinheiro para os planos poderem distribuir. Senão eles vão quebrar. É como um orçamento doméstico: se gastar mais do que ganha, não tem solução. Os planos pagam aquilo que podem. Tem plano que oferece assistência a R$ 24 por mês. O que se pode oferecer com isso?

OE – Como o senhor avalia a situação da saúde pública no Brasil?

HL – É lamentável. Não há condições. Há vários hospitais por aí que já não atendem pelo SUS. Por isso é que as grandes capitais é que ainda concentram o maior número de médicos. Às vezes compram um aparelho para a cidade do interior e não tem médico para manejar. Veja o Norte do País, há cidades que não têm médico.

OE – E como está a formação dos médicos, na sua opinião?

HL – Com esse negócio do juramento de Hipócrates eles se tornaram abnegados, entusiasmados. A maior parte dos médicos precisa do recebimento para viver, para sua família, por isso se concentram mais nas cidades que têm recursos.

Alguns médicos chegam aqui e me falam: “o senhor é minha família”. Alguns se interessam muito pela ciência. Mas como vai atender o paciente se ele não tiver fio para operar, por exemplo? Conheço um cirurgião que não operou em outro hospital porque não tinha fio. Há médicos que querem atender bem, mas não conseguem.

OE – Que nota o senhor daria para o Hospital Santa Cruz?

HL – Quem tem que dar nota são os pacientes. Mas toda vez que criamos um hospital novo pensamos em acompanhar a evolução. Eu julgo que o Santa Cruz é o melhor do Paraná e um dos melhores do País.

Com 87 anos de idade eu penso: faria a mesma coisa tudo de novo. Pena que ninguém facilita a nossa vida. Exemplo: os aparelhos custam uma fortuna, o governo federal deveria nos isentar de impostos, pois afinal de contas é para tratamento de saúde. Precisamos ter movimento para pagar nossos aparelhos.