Ferros-velhos lutam para manter história

Os ferros-velhos são, ainda hoje, empreendimentos importantes para empresas e clientes e até mesmo necessários à manutenção da premissa de reaproveitar diferentes tipos de materiais. Apesar das dificuldades, o setor desfruta de histórias interessantes e tradições que passam de pai para filho como forma de manter a rotatividade do negócio e perpetuar histórias de luta e trabalho.

Em Curitiba, há 39 empreendimentos com alvará concedido pela Prefeitura: 17 registrados como comércio varejista de sucata e os outros 22 como comércio ou varejo de peças e acessórios usados para veículos. Mas o número bem superior de ferros-velhos avistados pela cidade demonstra que a ilegalidade também afeta o setor, criando concorrência desleal, já que os tradicionais ferros-velhos precisam manter impostos em dia para não gerar problemas com a polícia ou compradores. "A gente não compra nada de particular, só de empresas grandes. Todo material que entra aqui tem procedência e fornecemos nota fiscal. Mas dentro de Curitiba tem muito ferro-velho não credenciado", diz Cleusa Gaio, que administra junto com o pai e o irmão o ferro-velho Casa Éco, empreendimento com mais de 50 anos na capital, que vende peças de carro e industriais.

Para Cleusa, muita gente não conhece o que significa o trabalho dessas pessoas, que vêem a possibilidade do aproveitamento, e com economia, no que poderia ser considerado lixo por muitos. "As pessoas têm idéia de que ferro-velho é lugar sujo, cheio de lixo. Não é verdade", diz. "As pessoas dizem que mulher gosta de ir em shopping e homem, em ferro-velho. Tem gente que vem aqui só para passear. Dizem que quando estão muito cansados e estressados, dão uma passada, olham e vão embora", conta.

O gosto pela profissão é de família. Hércules Gaio, pai de Cleusa, deixava de ir aos bailes na adolescência para trabalhar no ferro-velho. "Acho que a pessoa tem que conhecer ferros-velhos. Antigamente, tinha muita coisa interessante. Só tinha ferro-velho na capital, vinha gente do interior comprar aqui", recorda. "Hoje em dia, em qualquer cidade tem ferro-velho, mas poucos na legalidade. Para muita gente interessa preço, e não credibilidade. Mas não podemos acompanhar essa tendência."

O proprietário do ferro-velho Dragão – também de Curitiba -, Gustavo Linzmayer, enfoca outro lado da realidade desses empresários. Famosos por ganhar dinheiro com a sucata, eles confirma que o ramo é trabalhoso e rentável, mas acabou carregando fama que a realidade atual não acompanha. "Não dá para me manter só com o ferro-velho, tenho outros negócios", conta. "Ninguém pega sucata de graça. Temos de trabalhar em cima dela, separar as impurezas, classificar as peças. Isso quando as empresas já não fazem essa separação e acabam nos vendendo mais caro", relata o empresário, que escolheu especializar seu empreendimento em sucatas industriais, porque tem garantia da procedência do material. "Mas as 200 toneladas mensais que vendo hoje de cantoneiras, pedaços de chapa, parafusos e rolamentos para maquinários, já foram pelo menos o dobro há cerca de cinco anos", afirma Linzmayer.

No meio do lixo, escorpiões, aranhas, bombas e panelas

Para Márcia Hort Cordeiro, que administra junto com os irmãos o ferro-velho do Cuca, é a tradição que diferencia o empreendimento. Desde 1969, a empresa – herdada dos pais após sua aposentadoria – vende sucatas de todo o tipo. Segurança por um lado – já que separar a sucata e comercializá-la é expoente quando o assunto é preservação ambiental – o maior problema nesse caso é que se depende das cotações do dólar. "Hoje o preço da sucata aumentou muito. No mês passado vendíamos o quilo de sucata por R$ 0,40, valor que caiu hoje para R$ 0,28."

Mas, para ela, o fascínio pela profissão supera as dificuldades vividas pelo setor. Inclusive com histórias curiosas sobre as "raridades" encontradas no meio do lixo bruto que chega no ferro-velho. "Já encontrei até escorpião e cobra. Uma vez, em apenas um carregamento vieram dezenas de aranhas imensas", diverte-se. "Já achamos bombas no meio do lixo. Eram antigas, parecidas com torpedos, mas menores. Um dia, um tenente do exército veio comprar algo aqui e as viu, já que as colocamos em exposição. O esquadrão antibombas veio aqui retirá-las, cercaram a quadra. Elas já estavam no ferro-velho há três anos", rememora.

Márcia, que já junta as peças para montar com os irmãos um museu de antigüidades, viu muita história passar pelo lugar. Foi o caso de dois quadros reproduzindo retratos das décadas de 10 e 30 do século passado, agora pendurados no escritório. Com a foto de algumas pessoas em um barco no Rio Iguaçu, fizeram uma cliente relembrar o passado, por mera coincidência. "Ela veio comprar uma peça e reconheceu o capitão do barco. Era seu avô. Descobriu, então, que a família não tinha aquela foto."

No ferro-velho administrado pela família Hort Cordeiro pode-se encontrar de tudo, desde maquinários até peças bem antigas, como cofres, balanças e cortadores de carne. Também têm materiais que muita gente pode questionar onde vai parar. Estão lá desde incubadoras de bebês, usadas em hospitais, até panelas de pressão industriais imensas, agora disfarçadas em meio à sucata. "A parte que mais gosto é negociar a mercadoria. Tem cada coisa que a gente encontra", diz, satisfeita. (LM)

Altos custos representam ameaça

Dos ferros-velhos que vendem todo tipo de sucata, a maior parte afirma que pretende deixar um ramo: o de peças de veículos automotores. Isso por causa dos atuais desmanches, muitas vezes confundidos com os ferros-velhos, que trabalham com mercadorias ilegais.

Eduardo Borges, dono do ferro-velho Mak Usa há dez anos – voltado exclusivamente para peças automotivas -, está preocupado com seu negócio. Para ele, os altos custos e cobranças de todos os lados fizeram a lucratividade cair drasticamente nos últimos cinco anos. "Hoje retiro apenas 20% do valor que conseguia em 2000." Afora o estigma que sofrem associados aos desmanches, esses empresários não dão conta da competição desleal instaurada no mercado de peças usadas. "Antes de adquirir o bem, pagamos um ICMS de 18% e mais 5% do valor do veículo fica com o leiloeiro. Se houver qualquer problema, não temos direito a nada", explica.

Enquanto os desmanches vendem peças novas, os ferros-velhos precisam reaproveitar de carros batidos, em quantidades nem sempre previsíveis. "Geralmente não aproveitamos nem 50% do veículo", avalia. Além disso, o preço praticado pelo mercado de automóveis descartados aumentou drasticamente. "Comprava carros por até R$ 90. Hoje, pago entre R$ 1.800 a R$ 2.500, todos bem amassados." (LM)

 

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