Opereta sem fim

Patético, na lídima acepção consagrada pelo dicionarista Antônio Houaiss e tantos do mesmo gabarito, embora se deva acrescentar à constatação que o depoimento do ex-secretário-geral do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Silvio Pereira, perante a CPI dos Bingos, além do sentimento de piedade que decerto despertou, originou em maior medida frustração, perda e desencantamento com o nível mental da maioria dos figurantes dessa opereta sem fim.

É óbvio que não estamos a pregar que as declarações do ex-dirigente fariam explodir a derradeira casamata do desnorteado bivaque lulista em Brasília, mas Pereira não decepcionou na interpretação de seu papel diversionista. Forçoso é crer que entre a publicação da entrevista e o depoimento, eficientes colaboradores do presidente entraram em ação para reavivar no antigo companheiro – há mais de 20 anos militando no petismo – as etapas da luta que sempre contaram com seu entusiasmo, os resquícios da velha solidariedade de classe, os dias felizes em que a rapaziada se reunia quase todo sábado para ouvir a vulgata do sapo barbudo, naquela galeteria de São Bernardo do Campo, a pedreira que foi superar as adversidades até fazer o partido chegar aonde chegou, enfim, essas coisas que vão fundo no sentimentalismo das pessoas.

O estado de estupor de Pereira agravou-se tanto no período que antecedeu a viagem a Brasília, a ponto de se buscar no STF a suspensão do depoimento ou um habeas corpus preventivo que o isentasse de abordar assuntos comprometedores. Nenhum desses instrumentos, negados pelo ministro Marco Aurélio de Mello, todavia, prestou-lhe serviço tão eficaz quanto a própria memória, atacada de violento surto de amnésia que o fez esquecer os ditos de quatro ou cinco dias antes. Pior, Silvio admitiu ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que não foi esta a primeira vez que passou por crises de delírio, pois ele mesmo já duvidava de um monte de coisas reveladas à autora da entrevista. Como se vê, um ator de excelentes recursos cênicos e com habilidade inata para a dissimulação.

Uma perda de tempo, diriam os críticos da ínfima produtividade do Congresso Nacional, travado há mais de um ano em sua atividade precípua, a feitura de leis necessárias para facilitar o progresso do País, aprisionado a uma parolice interminável e de poucos resultados práticos, muito embora tenha chegado a vez de o Ministério Público e de o Poder Judiciário intervirem na questão, residindo aí a única esperança do povo brasileiro.

Um lampejo de realismo, contudo, Pereira protagonizou no depoimento. Foi quando afirmou que o atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, somente galgou a posição por causa da crise da agremiação. Mesmo sem ser literal, o ex-secretário afiançou que Berzoini é figura menor no balaio petista e se é presidente, o acaso é devido à absoluta falta de quadros de maior representatividade. Foi o troco de quem se viu chamado de traidor pelo mimo recebido do amigo baiano, o fatídico Land Rover. Ao que parece, Berzoini também se debate com alguma deficiência de memória, pois omitiu de seu rigoroso enquadramento os deputados do PT que rasgaram o catecismo ao enfiar a mão na cornucópia de Marcos Valério.

Nesse caso, porém, é improcedente e descabida a pecha de traidores, tanto que condenados no Conselho de Ética foram todos absolvidos em plenário. E segue a banda…

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