O TST e as decisões sobre flexibilização de direitos

Duas recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho sobre matéria de Direito Coletivo de Trabalho têm sido destacadas no noticiário jurídico pelo fato de envolver interesses dos trabalhadores e das empresas e de suas organizações sindicais representativas face a flexibilização de direitos. Embora os acórdãos não tenham sido publicados para melhor compreensão da matéria, as notícias divulgadas pelo site do TST permitem uma primeira avaliação, dada a importância do tema.

A primeira delas, em 24 de outubro, sob o título ?TST: flexibilização não pode suprimir direito trabalhista? informa sobre a decisão adotada pela Seção de Dissídios Coletivos no processo ROAA 17/2005-000-24-00-9, recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho da 24.ª Região, observando:

?A possibilidade dos acordos e convenções coletivas levar à redução de determinado direito trabalhista, em troca de outras vantagens, não autoriza o cancelamento puro e simples da prerrogativa prevista em lei. Sob esse entendimento, expresso pelo ministro Barros Levenhagen (relator), a Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu, por unanimidade o limite à flexibilização e deferiu recurso ordinário em ação anulatória ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da 24.ª Região, com atuação no Mato Grosso do Sul. A decisão da SDC levou ao cancelamento da cláusula n.º 23 da Convenção Coletiva firmada entre o Sindicato da Indústria na Fabricação do Açúcar e do Álcool (MS) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (MS) para o biênio 2004/2005. Ao invés de flexibilizar, a redação do dispositivo extinguia o direito do trabalhador ao pagamento do período de deslocamento de sua residência até o local da prestação de serviço, também conhecido como horas ?in itinere?. ?Fica convencionado que o tempo despendido pelo empregado no percurso de sua residência até a empresa, em veículo da empregadora ou a seu serviço não será considerado, para todos os efeitos, como horas ?in itinere?, pois entendem as partes que é benefício para os laborais e não salário utilidade e que o local não é de difícil acesso. Da mesma forma não será também considerado como horas ?in itinere? o tempo despendido pelo empregado nas mesmas condições, em função de seu deslocamento em área interna da empresa, de sua residência/alojamento para as frentes de trabalho e vice-versa?, previa o texto suprimido pelo TST. Barros Levenhagen esclareceu que a norma constitucional que estabelece a prevalência da vontade das partes, expressa em acordos e convenções coletivas, submete-se à legislação vigente. Segundo o relator, a manutenção da cláusula n.º 23 resultaria em atribuir-lhe a natureza de lei em sentido estrito, atribuindo-lhe o ?inadmissível efeito? de derrogar a previsão legal; no caso, o art. 58, § 2.º da CLT, que prevê a remuneração do deslocamento do trabalhador, pelo empregador, a local de difícil acesso ou não servido por transporte público. A tese levou Barros Levenhagen a concluir que ?o inciso XIII do art. 7.º da Constituição, ao prever a possibilidade de redução da jornada de trabalho, mediante acordo ou convenção coletiva, não autoriza às partes que ajustaram o acordo suprimir integralmente direito previsto em lei?.

A segunda informação do TST diz respeito também ao julgamento na Seção de Dissídios Coletivos, processo ROAA 242/2002-000-08.00.0, divulgada em 28 de outubro, decisão que admitiu a flexibilização da multa do FGTS e do aviso prévio constante em norma de Convenção Coletiva de Trabalho, a saber:

?A Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho assegurou a validade de cláusula de convenção coletiva que previu a dispensa do aviso prévio e o pagamento proporcional da multa de 40% do FGTS (demissão sem justa causa). A possibilidade de flexibilização e seu respaldo constitucional levou a SDC a deferir recurso ordinário em ação anulatória ao Sindicato das Empresas de Vigilância, Transporte de Valores, Curso de Formação e Segurança Privada do Estado do Pará (Sindesp/PA). A decisão da SDC restabelece a validade da cláusula XVIII da convenção coletiva firmada entre os sindicatos patronal e de trabalhadores. O dispositivo levou em conta a intensa rotatividade dos contratos de prestações de serviços na área de vigilância. Em contrapartida, previu à empresa que assumir a prestação de serviço a absorção do trabalhador da empresa anterior por um período de, no mínimo, 90 dias, sendo proibida a dispensa imotivada durante os três meses. O dispositivo tinha sido cancelado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região (com jurisdição no Pará), após exame e deferimento de ação anulatória proposta pelo Ministério Público do Trabalho local. Segundo o TRT paraense, a cláusula XVIII decorreu da renúncia de direitos assegurados ao trabalhador pela Constituição Federal. Não seria possível, segundo o Tribunal Regional, identificar a troca de benefícios mútuos que caracterizasse uma transação entre as partes. No TST, o sindicato empresarial alegou que a fórmula encontrada atende à vontade das partes pois decorreu de longa negociação a fim de proteger o trabalhador da freqüente extinção dos contratos de vigilância. Argumentou-se, ainda, que a norma já vinha vigorando, de forma positiva, há oito anos, inexistindo qualquer ilegalidade. O ministro Carlos Alberto Reis de Paula, relator do recurso na SDI-1, destacou a necessidade de apreciar o tema sob a ótica da evolução do direito na busca de soluções aplicáveis aos problemas trabalhistas atuais. O relator acrescentou que, simultaneamente, devem ser examinados os efeitos evidenciados pela aplicação das soluções tentadas, no plano da realidade. Nesse contexto, Carlos Alberto reconheceu que ?a experiência jurídica tem demonstrado que as normas coletivas consensuais encerram possibilidades experimentais, em que se desenvolvem e testam alternativas de soluções criativas para os problemas da atualidade, entre os quais se destaca a acentuada rotatividade de contratos civis de prestação de serviços?. O relator também afirmou que, embora os oito anos não sejam suficientes para se formar uma opinião aprofundada sobre a experiência, não há indicadores seguros da ineficácia e falta de efetividade do sistema construído por patrões e empregados. Qualquer correção de rumos ou mesmo a anulação da flexibilização acertada, frisou Carlos Alberto, poderá ser adotada de forma breve diante do período máximo de dois anos para a vigência das normas coletivas?.

A primeira decisão enfatiza o respeito à norma constitucional sobre a jornada de trabalho e a impossibilidade da flexibilização via norma coletiva. Mas a segunda, enfrentando tema idêntico, relativo a ditames legais específicos (multa do FGTS e aviso prévio),em favor da garantia de emprego por 90 dias, possibilitou a flexibilização da aplicação via norma coletiva. São dois exemplos sobre o que se tem denominado de sistema de compensação de direitos nos instrumentos coletivos, pelo qual uma ou mais vantagens em determinada condição salarial ou de trabalho, possibilitam a modificação de outros pontos normativos. Este sistema vem ganhando amplo espaço nas negociações coletivas, em especial no que se refere a jornadas de trabalho, intervalos para descanso, gratificações salariais, férias, aviso prévio.

Esta matéria vem tendo repercussão nas decisões dos Tribunais do Trabalho face a ações anulatórias de cláusulas de acordos e convenções coletivas de trabalho propostas pelo Ministério Público do Trabalho. A competência para o ajuizamento destas ações ao MPT está definida pelo TST, como se observa pelo seguinte acórdão da SDC:

?Ilegitimidade ativa ?ad causam? argüida de ofício. O artigo 83, inciso IV, da Lei Complementar n.º 75/93 prevê a possibilidade de o Ministério Público junto aos órgãos da Justiça do Trabalho propor ação anulatória de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores. Da dicção do citado preceito a competência para propor a ação anulatória restringe-se ao Ministério Público do Trabalho, até porque não há nenhum dispositivo de lei a legitimar pessoa diversa. Extinção do processo sem julgamento do mérito, na forma do disposto no inciso IV do artigo 267 do CPC, ante a ausência de uma das condições da ação, atinente à legitimidade ativa ad causam? (TST ROAA 803982/ 2001, DJU 21/11/2002).

Não se pode, ainda, configurar posições consolidadas, mas a tendência observada nas decisões regionais ou do TST é no sentido de admitir a flexibilização, quando a mesma se apresenta benéfica ao trabalhador no conjunto compensatório das normas coletivas.

Entretanto, a doutrina ainda pouco se deteve na análise dos julgados e dos efeitos concretos das normas coletivas no mundo fático e jurídico, especialmente porque o grande número de acordos e convenções coletivas de trabalho forma um complexo sistema derivado das condições objetivas de trabalho em um momento de intensa transformação no modo capitalista de produção. Por isso, certamente por muito tempo ainda estas questões estarão sendo analisadas sem que se possa atingir um novo patamar que sedimente novas concepções que atendam aos interesses dos trabalhadores, das empresas e do país.

Edésio Passos é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da ABRAT, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores e ex-deputado federal (PT/PR).

E-mail: edesiopassos@terra.com.br

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