O substitutivo do Senado ao Projeto de Lei n.71/2003 ? recuperação de empresas

Depois de dez anos, no dia 14/12/2004 a Câmara Federal aprovou a nova lei de recuperação judicial, a falência e a recuperação de empresas. O projeto de lei será enviado ao Presidente da República que poderá sancioná-lo, nos termos do art. 66 da Constituição Federal. Como é consabido, o substitutivo do Senado à redação inicial da Câmara dos Deputados alterou significativamente a redação inicial. Aprovado o substitutivo pelo plenário, resta agora aguardar, e ler atentamente os novos dispositivos. Mas desde logo cabem algumas considerações iniciais sobre o projeto. Especificamente no tocante à recuperação judicial, o princípio primordial que regerá as relações será o da boa-fé; a vontade efetiva de a empresa se recuperar e bom senso dos credores. O tamanho da empresa é de somenos importância. Um parêntesis: aquelas entidades dotadas de estrutura própria e eficiente (com técnicos capazes) terão maiores condições de elaborar um plano de recuperação, a teor do art. 53, e que melhor reflita seu real estado. Evidente que o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens que compõem o acervo de bens e ativos deverá estar em consonância absoluta com a realidade.

Isso porque o plano poderá sofrer objeções pelo interessado, onde convocar-se-á assembléia para deliberar a respeito. A necessidade de apresentar um plano de recuperação é tão importante que, caso seja rejeitado poderá o juiz decretar a falência da empresa. Não bastasse, a empresa terá de demonstrar em juízo quais são os meios de recuperação (e desde logo saliente-se que não são exaustivos aqueles discriminados no projeto) e principalmente que há viabilidade econômica para sua efetiva recuperação. Portanto, o plano de recuperação é um documento de extrema importância no âmbito do procedimento. Importante destacar que o sucesso da recuperação dependerá, como dito, não somente da boa vontade do devedor, mas do equilibro das decisões do comitê de credores e assembléias a serem realizadas. O princípio da proporcionalidade deve ser observado, sempre. Não se olvide que, em relação ao plano de recuperação, caberá à assembléia geral de credores deliberar, aprovando, rejeitando ou modificando se conteúdo. Da assembléia participarão as mais variadas classes de credores e disso resulta que poderá haver conflitos, mas o bom senso deve preponderar. A figura do administrador judicial (que na verdade substitui o síndico/comissário, pela lei atual) é deveras importante. É ele quem preside, dentre outras atribuições, a assembléia geral de credores e fiscaliza as atividades do devedor.

Ainda no tocante à recuperação judicial, é de se destacar que a petição inicial deve ser instruída com a relação nominal de empregados, onde constem as funções respectivas, salários, indenizações e outras pendências, e relação dos bens particulares dos componentes controladores e administradores da entidade. Tais requisitos são novidades, já que pela lei atual tais requisitos não se fazem presentes. Outra situação nova diz com a necessidade de o devedor apresentar relação de todas as demandas judiciais nas quais figure como parte, inclusive as de cunho trabalhista, com estimativa dos valores em discussão.

Haverá, no âmbito da recuperação três decisões importantes, quais sejam: a que defere o processamento, a que concede a recuperação e a que declara encerrado o processo. Num comparativo com a atual lei, basicamente foram mantidas as mesmas decisões.

No tocante ao processo falimentar, e isso é um alívio para os que militam na área, o prazo para apresentação de defesa foi significativamente ampliado, passando de 24 horas pela lei atual para dez dias. Frisa-se o vocábulo "alívio" porque em muitos casos o devedor recebe a citação judicial e nem sempre procura seu advogado o mais rápido possível, e a lei atual é taxativa: são só 24 horas, e nada mais.Ainda, dificilmente em prazo tão exíguo pode o advogado elaborar defesa técnica de forma completa (pode até faltar algum dado ou mesmo documento tido como essencial). O projeto faz referência à possibilidade de o devedor apresentar "contestação", mas sabe-se que processualmente pode argüir as exceções previstas no Código de Processo Civil e preliminares tendentes à inutilização do processo. Ainda, durante tal lapso temporal pode elidir o pedido de falência ou mesmo pleitear a sua recuperação judicial. Nesse ponto, o projeto de lei está em harmonia com a realidade. O projeto nada diz em relação ao procedimento pré-falimentar ou preliminar (e note-se que o agente do Ministério Público somente pronunciar-se-á, por iniciativa própria ou mediante provocação, quando se constante indício de crime, infração à lei ou ameaça de lesão ao interesse público), de modo que possível é a audiência de tentativa de conciliação prevista no art. 331 do Código de Processo Civil, e completa instrução processual, com arrimo no princípio do devido processo legal. Ora, se a tendência do projeto é recuperar a empresa, viabilizando a superação de crises momentâneas, a fim de mantê-la no mercado, ficando o processo falimentar para segundo plano, então é evidente que o juiz terá papel fundamental na condução de processos falimentares, até mesmo coibindo medidas tendentes à cobrança de dívidas. O propósito do projeto é afastar o mau empresário do mercado e não transformar pedidos de falência em meros meios de cobrança. Lembre-se que, para o devedor fazer as provas necessárias quanto à falsidade de título; prescrição etc., caso será de abrir a fase instrutória e não simplesmente sentenciar após decorrido o prazo legal para defesa ou depois que o interessado se pronuncia sobre a defesa.

Muitos são os aspectos a serem analisados no projeto em comento, mas caberá aos exegetas desde logo se debruçar sobre os dispositivos e, mesmo antes de a lei entrar em vigor (120 dias após a data da publicação) terão a necessidade de examinar cada um dos dispositivos mediante adoção dos métodos teleológico e sistemático de hermenêutica.

Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial; Professor assistente de Direito Societário, Falimentar e Teoria Geral do Processo, das Faculdades Integradas Curitiba; Autor dos livros "Revocatória Falimentar" e "Lei de Falências e Concordatas anotada à luz da jurisprudência", pela Juruá Editora – Curitiba.

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