O presidente e a transposição

A sociedade brasileira tomou conhecimento pela imprensa da posição do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva de efetivar a transposição das águas do Rio São Francisco. Para tanto, designou o vice- presidente, José de Alencar, como coordenador das ações.

O tema polêmico deve ser abordado a partir de uma retrospectiva dos fatos acontecidos. No ano de 2001, o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso estava determinado a realizar a transposição, inclusive, já havia designado a Comissão de Licitação e começava a realização de audiências públicas para a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental. Contudo, o Velho Chico secou, e as autoridades perderam o discurso da transposição, sendo a verba orçamentária existente destinada para o programa de revitalização.

Dentro deste programa de revitalização os Ministérios Públicos dos Estados situados na área de influência da bacia do Rio São Francisco receberam recursos para a estruturação de órgão interno que deveria atuar na defesa do Rio São Francisco.

O Ministério Público de Sergipe celebrou dois convênios com o Ministério do Meio Ambiente para implantação de uma estrutura organizacional com a finalidade de efetivar a curadoria do meio ambiente, especificamente do Rio São Francisco.

Em março de 2002 o Colégio de Procuradores de Justiça criou o Núcleo de Apoio às Promotorias do Rio São Francisco, contando com um Diretor e dois Coordenadores, além dos 12 promotores de Justiça na área de influência da bacia.

Nesse período de atuação o Núcleo objetivou somar esforços e a linha de atuação foi no sentido de unir órgãos federais, estaduais e municipais em defesa do Rio São Francisco. O primeiro passo estabelecido foi de efetivar um diagnóstico da situação no baixo São Francisco Sergipano.

Desta forma, Membros do Ministério Público e técnicos visitaram diversos pontos do baixo São Francisco Sergipano identificando vários problemas, que ficaram registrados fotograficamente e em relatórios. Cabe registrar que o Ministério Público encaminhou diversas requisições aos Órgãos de Gestão Ambiental sobre os problemas encontrados, e com base nessas requisições o Ibama fez uma operação de fiscalização em todo baixo São Francisco.

Realizado o diagnóstico, foram efetivadas reuniões com os órgãos envolvidos no sentido de serem estabelecidas prioridades. Nesse contexto ocorreu a escolha para realização de um projeto piloto no assentamento Borda da Mata, uma vez que o Promotor de Justiça Antônio Cesar Leite de Carvalho havia iniciado um trabalho com a comunidade, que estava receptiva e com disposição para participar de um programa de revitalização.

A idéia era estabelecer uma sustentabilidade para o assentamento, incluindo ações de educação ambiental, reflorestamento e implantação de novas alternativas de trabalho para aquela comunidade carente. A união de todos os órgãos, a cooperação da Universidade Federal de Sergipe e Universidade Tiradentes, CHESF, o apoio de empresas privadas como a JC Barreto foram decisivos para a continuidade do programa.

O acompanhamento está sendo mantido e o programa tem superado as dificuldades, principalmente pela participação de todos os assentados de Borda da Mata que se conscientizaram da necessidade de revitalização do Rio São Francisco.

O relato dessa atividade desenvolvida é para caracterizar o estado de degradação em que se encontra o Rio São Francisco e o quanto se faz necessário a presença do Estado – Administração Pública apoiando projetos de revitalização, que são dispendiosos e exigem um período longo de implantação e conclusão.

Os danos causados ao Rio São Francisco não se resumem ao baixo São Francisco sergipano, eles estão diagnosticados em toda extensão do rio, ou seja, no alto e médio São Francisco, sendo farta a documentação que atesta a situação difícil do Velho Chico. E a população nordestina deve ficar alerta, pois existe o risco de um novo “apagão”.

A situação de degradação do Rio São Francisco está caracterizada em diversos relatórios oficiais e se constitui em fato público e notório, então porque falar em transposição, quando a necessidade é de revitalização. O projeto Borda da Mata é realizado sem alocação de um centavo do orçamento público, o programa segue pelo compromisso social dos servidores públicos e de entidades privadas, desta forma, não seria mais coerente investir em todas essa atividades de recuperação do Rio antes de dar início a um projeto grandioso de transposição.

O presidente e o vice-presidente da República deveriam percorrer todos os rincões do Rio São Francisco, sentindo de perto o sofrimento da população ribeirinha, testemunhando o resultado de práticas insustentáveis, conhecendo a realidade agonizante do Velho Chico. O compromisso deve ser revitalizar, que levará tempo e exigirá o aporte de muitos recursos, depois a transposição poderia ser objeto de debate.

Na condição de promotor de Justiça e professor de Direito Ambiental deixo registrado minha posição contrária a transposição do Rio São Francisco, pois o diagnóstico efetivado comprova a necessidade da continuidade do programa de revitalização iniciado em 2001, já que a Carta Magna estabelece ser o meio ambiente equilibrado um direito fundamental de todos.

Eduardo Lima de Matos

é promotor de Justiça, professor direito Ambiental e diretor do Núcleo de Apoio às Promotorias de Justiça do Rio São Francisco.

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